A LUTA PELA SOBREVIVÊNCIA: O GÊNESE DO BAIRRO DE CORDOVIL
E AS LUTAS SOCIOECONÔMICAS E CARACTERÍSTICAS DA POPULAÇÃO NO BAIRRO ENTRE 1910
E 1930
Paulo Jorge Gonçalves da Silva
RESUMO: A
pesquisa foi realizada em cima de pesquisas de jornais antigos com o intuito de
descobrir o perfil da população do bairro de Cordovil do início do século XX.
Apontar todas as dificuldades enfrentadas pelas pessoas que começavam a
estabelecer como residência o povoado que ainda viria se tornar bairro,
passando antes pela história dos antigos donos e a sua relação com o governo do
Rio de Janeiro. Traçar esse perfil foi de extrema dificuldade por não ter
pesquisas ainda sobre quem eram as pessoas que foram em direção ao subúrbio, o
que sabemos é que eram pobres, mas a intenção é tentar descobrir suas ocupações
econômicas e seu perfil social usando uma visão de cunho marxista e a relação
com a história social. Entender a pobreza com a falta de estrutura existente no
local, a falta de investimento do governo e a relação população x poder
público. Ao juntar toda a pesquisa, pretendo responder a duas perguntas: Qual o
perfil dos primeiros moradores e o porquê do problema da falta de água e a
violência no bairro.
PALAVRAS-CHAVE: Cordovil,
Governo, água, violência
ABSTRACT: The research was carried out on the basis of
surveys of old newspapers in order to discover the profile of the population of
the Cordovil neighborhood of the early 20th century. To point out all the
difficulties faced by the people who were beginning to establish as a residence
the village that would still become a neighborhood, passing on the history of
the former owners and their relationship with the government of Rio de Janeiro.
Tracing this profile was extremely difficult because we did not have research
on who the people were that went to the suburb, what we know is that they were
poor, but the intention is to try to discover their economic occupations and
their social profile using a vision Marxist and the relationship with social
history. Understand poverty with the lack of existing structure in the
locality, the lack of government investment and the relation population x
public power. As I gather all the research, I want to answer two questions:
What is the profile of the first residents and why is the problem of lack of
water and violence in the neighborhood.
KEYWORDS: Cordovil, Government,
water, violence
INTRODUÇÃO
O
Rio de Janeiro, com os seus mais de 160 bairros, tem muitas histórias cercando
suas origens. Achamos nomes ligados à linguagem indígena, a famílias
portuguesas, a imobiliária. Nossas origens sempre nos remetem a um passado não
muito distante, nos leva a um túnel de lembranças e saudosismo. Realizando assim uma análise da
contemporaneidade dos bairros suburbanos em suas questões sociais, podemos
perceber que existe um efeito de total descaso de nossos governantes com tais logradouros.
Mas isso não é um privilégio de nossos dias atuais, os problemas sociais, como por
exemplo, a violência, é algo que se arrasta desde, muitas vezes, de sua
formação como bairro, quando suas terras deixavam de serem fazendas ou chácaras
e começavam a ser loteadas.
Cada
bairro tem sua origem particular, o processo de nascimento deles foi provocado
por inúmeros fatores como a inauguração da estrada de ferro ou a
industrialização que crescia na cidade pela forte presença do capitalismo pós-
1889 mais em particular o subúrbio carioca, chamado antes de parte rural da
cidade, teve um processo de ocupação pelas camadas mais pobres da população,
claro que isso não é uma regra, mas bairros como Cordovil, Parada de Lucas e Vigário
Geral, já surgiram com uma população considerada baixa renda e por muitas vezes
marginalizado[1].
O que vemos em questões sociais desses bairros nos
dias de hoje é uma construção, um processo histórico que vem se arrastando
desde o nascimento dos mesmos, questões como falta de saneamento, problemas com
transportes e segurança foram percebidos nessa região desde a chegada dos
primeiros moradores, quando os primeiros terrenos estavam sendo loteados.
O mesmo acontece quando analisamos todo o processo
de loteamento do bairro de Cordovil, antes uma fazenda prospera do Provedor
Real Bartolomeu Cordovil, passando por um bairro em formação nos primeiros anos
do século XX, que com a inauguração da linha férrea, trouxe pessoas de diversas
origens em direção não apenas ao bairro, mas para toda a região chamada zona
suburbana ou periferia imediata. Mas que já nos seus primórdios apresentava
problemas sociais e que até hoje fez dele um bairro de classe média baixo e com
inúmeros problemas sociais e de infraestrutura. O objetivo desse trabalho é
esclarecer quem eram essas pessoas, quais suas histórias, no que trabalhavam e
o porquê vieram parar no povoado que ainda mantinha características rurais,
apenas com um único transporte para o núcleo econômico da cidade. Devemos
entender também o por que o bairro registrava tantos problemas como a falta de
água, um problema crônico que se arrasta até os dias de hoje, sendo que em 1912
foi inaugurado o reservatório da Penha, que captava água da nascente do rio
Irajá e transmitia para os bairros do subúrbio, sendo que o povoado de Cordovil
está a menos de dois quilômetros do reservatório.
O
BAIRRO NO PRESENTE
Quando abrimos os jornais para as notícias e
acontecimentos da cidade, quase sempre quando é mencionado o nome Cordovil,
logo depois aparecem às palavras assalto, tiroteio e a mais repetida pelos
órgãos de imprensa é área de risco. Mas, para entender o processo que o bairro
vive é necessário buscar em suas origens certas informações que acabam
refletindo nos dias atuais. O bairro vive um problema grave de segurança
pública e se infraestrutura, apesar das reformas realizadas pela prefeitura,
ainda existe problemas com enchentes, sempre quando chove, o Rio Irajá acaba
virando uma bomba de doenças para moradores que moram na Av. Schultz Wenk.
Mas o que os moradores mais reclamam do bairro é a
questão da segurança pública. Muitos atribuem os altos índices de violência a
Cidade Alta, maior comunidade do bairro, quase todos dizem que o bairro era
maravilhoso antes da chegada da comunidade, esse fator, junto com vários outros
fez com que o bairro se ocupasse da modesta posição do ranking do IDHM[2]
municipal de número 68 de 126 bairros. A classe política apenas aparece no
bairro em época de eleição, claro, para poder fazer aquelas melhorias de seis
meses para atrair voto. A última visita de um político de renome ao bairro foi
o Sérgio Cabral filho quando tentava a vaga para o governo do Estado (Jornal ‘O
Fluminense’,21/07/2010). Fora essa visita e uma vez ou outra algum candidato a
vereador e/ou deputado que nunca consegue se eleger, temos a presença da
vereadora Rosa Fernandes que contribui um pouco com melhorias do bairro, sempre
trazendo obras rápidas e de qualidade duvidosa e sempre no ano das eleições
para prefeito, onde ela sempre se candidata para o cargo de vereadora e vence
sempre nas primeiras colocações (está no sexto mandato).
Segundo reportagem do Jornal “o Extra” de 2014, a
região da 22 DP registrou no mês de janeiro 128 casos de crimes na região que a
delegacia é responsável pelo patrulhamento, claro que o apontamento do jornal
não é detalhado em relação a exatamente o local dos roubos, mas segundo a
pesquisa a jornais de janeiro do mesmo ano, foi notado que os roubos
aconteceram, na sua maioria, na região da Av. Brasil e Rua Cordovil. Locais com
incidência de roubos acima do normal, devido até a proximidade com comunidades.
Mas para entender o bairro nos dias atuais, devemos
fazer uma análise do início de sua criação e ver que os problemas, apesar de
épocas distintas, têm muitos pontos semelhantes, o que nos leva a entender que
nada mais é que um reflexo do passado, o Cordovil de ontem é bastante parecido
com o de hoje, tanto nos problemas criminais, tanto de infraestrutura e ainda
mais, no perfil de seus moradores, maioria de classe baixa a procura de um
local para construir suas vidas. Temos relatos de períodos de relativa
tranquilidade do bairro, momentos que os moradores não reclamavam tanto, apesar
dos problemas.
O
NASCER DO BAIRRO E SEUS PRIMEIROS MORADORES
A família Cordovil chega ao Brasil no
início dos anos 1700 e logo se estabeleceram na fazenda real que foi cedida
pela sua majestade, o Rei de Portugal pelos serviços realizados no reino,
Bartolomeu de Siqueira Cordovil o primeiro dono da fazenda, logo depois de sua
chegada casa-se na capela de Irajá em 1707 com a filha do dono do engenho do
Irajá, a senhorita Margarida Pimenta de Mello. Bartolomeu dentro outros cargos
foi secretário do Governo da capitania do Rio de Janeiro (assumiu dia 20 de
janeiro de 1705), cargo dado a apenas homens de confiança. Faleceu dia 3 de janeiro
de 1738 deixando como herança as terras para o filho Francisco Cordovil de
Siqueira e Mello substituiu os negócios do pai.
“No Brasil temos, Bartolomeu de
Sequeira Cordovil, natural da Vila de Alvito, em Èvora, nascido por volta de
1640, casou-se com Natália Fróes, também da mesma vila. Dessa união nasceu
Francisco Cordovil de Siqueira, que era proprietário do Ofício de Provedor da
Fazenda Real e foi casado com Dona Margarida Pacheco Ayró, filha de Antônio Vaz
Gago e Dona Isabel Pacheca”. (CORDOVIL,2000,p.12)
Toda sua descendência foi de importância ímpar não
apenas para a história do Rio de janeiro, mas como a do Brasil, sempre quando
folheamos os anais da colônia e do
império vemos o sobrenome Cordovil como por exemplo o Major Wenceslau
Cordovil de Siqueira e Mello que exerceu várias funções , sendo de destaque
maior Juiz de Paz e Presidente do Colégio Eleitoral para a eleição de Deputados
e do maior dos Cordovil o Almirante Joaquim Antônio Cordovil Maurity,
considerado um herói na guerra do Paraguai, foi o aluno zero um de sua turma na
escola naval, participou ativamente da guerra do Paraguai, homem de confiança
no Império e na república, representou o brasil no exterior em várias missões.
Visconde de ouro preto em sua obra “A Marinha de Outrora” fez uma citação ao
ato de bravura de Maurity, D.Pedro II também fez homenagem ao militar pela sua
dedicação ao Império.
“É dos mais distintos oficiais da Marinha de meu país,
comandava o pequeno monitor Alagoas, que cortava sob fogo das baterias da
fortaleza de Humaitá, a corrente que barrava o rio Paraguay. Ele vai assistir a
conferencia marítima e eu vou vê-lo recomento vivamente” (CORDOVIL,2000,p.21).
Mas o dito progresso disfarçado de
capitalismo chega com força ao Rio. Depois do Golpe de 1889 o Rio de Janeiro
vai experimentar uma grande evolução urbana, locais até então consideradas
zonas rurais vão aos poucos sendo incorporada a cidade, sendo iniciado um
processo de urbanização que vai trazer muitas pessoas para regiões inóspitas.
Quando falamos de bairros como Cordovil, Brás de Pina entre outros, devemos
atribuir seu surgimento principalmente aos trens, pois a necessidade de lotear
esses terrenos era urgente, pois o processo urbano da cidade influenciado pelo
capitalismo viu que o pobre não deveria ter lugar no centro e nos bairros
emergentes, que para a cidade evoluir, era necessário realizar uma obra de
urbanização onde o pobre fosse afastado do lugar de trabalho, já que com a nova
visão de cidade, o custo de vida do centro seria muito maior. A estrutura do
espaço das novas cidades tem muito a ver com os conflitos entre classes, a luta
pelo domínio territorial, elitizar uma zona em detrimento a outra, e como o
governo recém-posto no poder apoiava os planos das elites, foi o ambiente
perfeito para a separação social definitiva.
“A estrutura
espacial de uma cidade capitalista não pode ser não pode ser dissociada das
práticas sociais e dos conflitos existentes entre as classes urbanas. Com efeito,
a luta de classes também se reflete na luta pelo domínio do espaço, marcando a
forma de ocupação de solo urbano. Por outro lado, a recíproca é verdadeira: nas
classes capitalistas, a forma de organização do espaço tende a organizar e
assegurar a concentração de renda e de poder na mão de poucos, realimentando os
conflitos de classes” (ABREU,2013,p.15)
Esse novo patrão de cidade divide o
terreno em núcleo e as periferias, onde esse núcleo concentra as funções
centrais (econômica, administrativa, financeira, políticas e culturais) e a
periferia concentrando as famílias de classe média baixa. Foi nessa conjuntura
que a família Cordovil viu a oportunidade de ganhar um dinheiro vendendo em
definitivo suas terras para Visconde de Moraes (1848-1931).
Esse trecho retirado do diário oficial
da compra das terras por visconde de Moraes que foi o responsável pelo
loteamento do bairro, mas os registros do século XVIII mostram que a família
Cordovil já tinha posto terras a venda e possivelmente os primeiros moradores
do bairro chegaram por volta de 1840.
“Freguesia de Irajá, compradas de Venceslau Cordovil
de Siqueira 'e Mello, por Si e como procurador de sua mulher, Felicidade
Ferreira de Abreu Cordovil, por escritura de 17 de abril de 1891, lavradas em
notas do tabelião Dario desta Capital, e a D. Joaquina Eulalia Cordovil
Maurity, viúva, por escritura de 21 de julho de 1891, lavrada em notas do mesmo
Tabelião. Pela primeira escritura de 17 de abril de 1891 constam as seguintes
confrontações e características da propriedade: a fazenda do Provedor, á qual
estava incorporado o sitio chamado dos Meninos, depois sitio Grande,
compreendendo toda a fazenda, casa da vivenda, diversas construções e
benfeitorias, confinada por um lado com a estrada de Irajá, por outro com D.
Anua Agostinho Cordovil de Siqueira, co-herdeira da fazenda referida, parte
sul, e hoje pertencente ao co-herdeiro Antonio Cordovil. As terras, casas e
mais benfeitorias confinam pelo lado do travessão com os outros co-herdeiros
Joaquina, Francisco, Arma e Wencesláo, e por outro lado pelo sitio que foi de
D. Rosa, com a da Capella, caminho do Porto Velho e com as terras do Braz de
Pina. Pela segunda escritura de 21 de julho de 1891, foi adquirida parte da
Fazenda do Provedor, a qual está incorporada a outra denominada sitio dos
Meninos, confinando por um lado com o caminho do embarque, por outro com
Francisco Cordovil, um total de 1.113.000 m2 adquirido por Visconde de Moraes”
(Diário Oficial 25 de abril de 1912 - quinta feira).
Oficialmente
o bairro nasceu dia 5 de outubro de 1910 devido a lei nº 989/2002, da vereadora
Rosa Fernandes, porém no livro de Waldir Fontoura nos mostra que existia um
local onde o trem parava para descarregar produtos e embarcar os mesmos, essa
primitiva estação estava na direção da Rua Cordovil, que foi construída para
além de trazer e levar produtos agrícolas, levava também produtos para a
construção de locais para captação de água de mananciais de Tinguá e Xerém. O
trem foi importante e o principal responsável pela transformação das antigas
freguesias, até então exclusivamente rurais, em bairros em crescimento. Essas
áreas abertas em volta da linha férrea deveriam se destinar para os mais
pobres, que se deslocavam em massa. Para servir todas as classes, as
locomotivas eram dividias em classes, primeira, segunda e terceira classe.
Ao analisar periódicos da época, foi possível
encontrar uma reportagem de 1836 onde descreve as características do bairro,
onde um local estava sendo posto à venda para quem interessar, essa região
seria hoje a Rua Amaetinga e Aricambu locais que oferecem uma bela visão do mar
(quando existia é claro):
“Vendem-se as benfeitorias de dois sítios anexos em
terras de Sebastião Cordovil e Venceslau Cordovil, no Porto Velho de Irajá,
tendo sofrível casa de vivenda nova de pedra e tijolos, com cômodos para uma
grande família, com poço de água dentro, cujo é de pedra e sal, com uma bela
vista, até vê a cidade, uma grande porção de enxertos de diferentes qualidades,
todas em frente a uma plantação de café e tudo alinhado em boa ordem, quem
interessar se dirigir a rua da Quitanda 226” (Jornal O Paquete,1836).
Foto: página Jornais Antigos- Tiago Silva Bandeira
O que quero apontar é que os primeiros moradores do
bairro são de sua grande maioria de origem pobre, mas existe um contraponto
nessa hipótese. Brasil Gerson em seu livro Ruas do Rio aponta um grupo de
portugueses com poder aquisitivo bom morando no bairro, o que me leva a pensar
em dois pontos: Ou eram comerciantes que buscavam oportunidade de crescimento
no bairro, ou eram pessoas realmente com condições que buscaram o bairro a fim
de fugir das garras dos impostos da república. Uma família que até os dias de
hoje habita nossa região é a família Bonavita, que em 1930 eram donos de uma
Olaria que existia na Estrada do Porto Velho, família essa de origem
Portuguesa.
“A periferia
imediata é, principalmente, o local de residência da classe baixa” (ABREU,2013,p.25).
O que me sustenta em dizer que,
majoritariamente o bairro era formado por pessoas pobres são as propagandas de
vendas dos terrenos. O periódico ‘A Noite’ noticia em 14 de abril de 1913 a
chamada de venda de terrenos no bairro, logo depois no mesmo ano ‘O Malho’
também anuncia a venda mais com os preços de $300 reis, 8$500 réis e 5$700
reis. Fazendo um comparativo que nessa mesma época, outro bairro estava em
formação, mas sem o trem, percebemos que realmente o bairro foi feito para os
de periferias, os terrenos em Copacabana, que na época era um deserto e lugar
para pescadores, os primeiros terrenos foram vendidos por 3.000$ a 4.000$ réis.
Em uma época que os trabalhadores não tinham condições de vida dignas e
melhores e com a pressão da elite e do governo em arrastar a classe para longe
dos núcleos financeiros, os preços desses bairros ficaram atrativos para
começar a vida ou recomeçar, já que o governo republicano representado pelo
prefeito Pereira Passos fez uma grande reformulação no núcleo da cidade,
fazendo com o que essa massa mais desfavorecida fosse expulsa de suas moradias.
A taxa de crescimento[3] de
bairros que englobavam a freguesia de Irajá entre os anos de 1890 á 1906 é de
109%. Em 1890 a estimativa de moradores na freguesia era de 13.130 pessoas, em 1906
passou a ser 27.410, essas pessoas se concentraram mais em regiões aonde
existiam a presença da linha férrea, e podemos afirmar que a grande maioria era
de pessoas de baixa renda.
ANOS
20 E 30: A VIOLÊNCIA E A FALTA DE ÁGUA ASSOLAM A POPULAÇÃO
“Com a boca na butija: Armado com um pé de cabra,
estava entregue a um trabalho na porta da casa de Eugênio Bayão, na Estrada do
Porto Velho em Cordovil, o ladrão Pedro Paulo, quando um policial viu e o
prendeu. A polícia do 22 districto atuou o ladrão” (Jornal ‘A Época’, 24 de
março de 1918)
Temos de um lado uma cidade se modernizando e
crescendo, cada prefeito que entra dá continuidade para embelezar a cidade que
interessa, ou seja, o centro e zona sul. Nesse mesmo período o subúrbio já foi
sendo esquecido pelo poder público, mas o processo de ocupação foi se
intensificando, com isso foi aparecendo problemas característicos de uma zona
pobre.
A reportagem do periódico “A Época” nos mostra
apenas um trecho que o bairro já apresentava roubos, assaltos e suicídios eram
algo comum de acontecer, o descaso era tanto que em alguns jornais não
conheciam a localidade, no “Jornal do Brasil” de 21 de março de 1927 a
reportagem dizia: “...estrada do Porto Velho - Brás de Pina”. Um grave erro de
localidade, já que sabemos que a estrada é a principal Rua de Cordovil.
No começo dos anos 20, a polaridade da população já
se mostrava bem definida, na zonal sul predominantemente vivia a classe alta,
na zona Norte e antiga Zona Sul a classe média e subúrbio a classe mais baixa.
A densidade demográfica[4]
bruta por quilometro quadrado em 1906 era de 212 km2, em 1920 pulou para 770
km2. A população da freguesia pulou de 27.410 para 99.586 em 1920, ou seja, um
aumento de 263%.
O problema social dos assaltos é algo que caminha
junto com dois casos: A pobreza e a ausência do poder público. Podemos tirar
como exemplo as favelas dos anos 60, lugares extremamente pobres, sem a atuação
dos governantes e quem ditava as regras era (e ainda é) o poder paralelo.
Em pouco tempo a população da freguesia de Irajá
cresceu de forma acelerada, muito se contribui esse fato ao bairro de
Madureira, mas Cordovil que mantinha ainda um pouco de suas características
rurais também apresentava uma população em crescimento, principalmente na
Estrada do Porto Velho, que era o acesso direto a estação de trem, existiam
alguns pequenos comércios no local como Olarias e vendedores de peixe.
Um levantamento feito em cima do jornal do Brasil
durante o ano de 1925 apontou números bem interessantes. Houve doze roubos,
três assassinatos e dois suicídios. Ou seja, esses números apontam
características de regiões cercados pela pobreza, indica uma população em
formação de baixa renda e com inúmeros problemas com segurança pública. Foi
feito uma tentativa de realizar um levantamento de taxas de homicídios e roubos
da região junto ao arquivo da PM, porém a mesma não colaborou com nossa
pesquisa, mas em conversas com moradores que viveram no final dos anos 30
lembram-se de um bairro de poucas casas, apenas a região de Porto Velho com
ocupações, região da praça treze com pessoas com um poder aquisitivo maior (poderia
ser os portugueses), poucos comércios e estação de trem sem muros.
Não era apenas o problema da violência que afetava o
bairro, outro problema de grande reclamação dos moradores era a falta d’água.
Mas isso não fazia o menor sentido pois o reservatório da Penha, inaugurado em
1914 estava numa distância pequena e seria o suficiente para abastecer o
pequeno povoado.
Fotos do reservatório da Penha.
Fonte: Página Penha RJ
O terreno onde fica o reservatório da penha foi
desmembrado da chácara das Palmeiras no dia 08 de agosto de 1911, esse
reservatório abasteceu Bonsucesso, Ramos, Olaria, Penha, Brás de Pina, Cordovil,
Vigário Geral e Ilha do Governador. O reservatório foi inaugurado em 1914 e era
considerado um verdadeiro marco da engenharia e uma inovação, pois usou uma
técnica nova, o concreto armado, ele era totalmente descoberto, tinha forma
tronco-cônica, dividido em dois compartimentos. Ao centro um grande poço
cilíndrico com aparelhos de manobra com capacidade de 2.000 metros cúbicos
d’água. O reservatório está na serra da misericórdia- hoje morro da caixa
d’água- e ocupa uma área de 2.449,30 metros quadrados. Foi desativado no final
dos anos 80.
Esse reservatório começou captando água direto da
nascente do rio Irajá em Vicente de Carvalho, depois foi ampliado sua rede de
abastecimento de mananciais de Xerém. Ao mesmo tempo, não vemos reclamações de
problemas de abastecimento em Ramos e Bonsucesso, locais do subúrbio com
moradores com maior poder de compra, então um fato me chamou atenção.
No periódico “Correio da Manhã” do dia 21 de
dezembro de 1921 aponta uma reportagem sobre o rompimento do cano principal que
abastecia os bairros, vazando números incalculáveis de água, então o governo
limitou a abertura das comportas para a distribuição de água, para que não
houvesse mais rompimentos no sistema, sendo que esse problema foi resolvido
apenas nos anos 60, o que nos aponta que Cordovil conviveu com a falta da água
durante quarenta anos. No bairro existiam bicas públicas que ajudavam de certa
forma no abastecimento, mas não era o suficiente para suprir a necessidade de
um bairro em crescimento.
“Círculo de melhoramentos dos subúrbios da
Leopoldina: No próximo domingo, dia 11, às 15 horas, efetiva-se na sede desta
associação, a Estação de Cordovil, sessão solene do biênio social 1920- 1921” (Jornal
‘A Rua’,7 de janeiro de 1920).
Era um povo sofrido e sem presença política que
pudesse representa-los. Foi então que no final dos anos dez foi criado coma
comissão de melhoramentos do bairro, que eram responsáveis em levar ao
conhecimento das autoridades, todas as reclamações da localidade, tinha cede na
estação de Cordovil, na pequena casa que servia como estação. O jornal “ O
Fluminense” do dia 24 de março de 1920 traz uma reportagem contando o
sofrimento do local, dizendo que era uma população pequena, mas humilde e
sofrida e que essa comissão escreveu uma carta para o Presidente da República
pedindo melhorias urgentes para o povoado. Pouco tempo depois, o desespero era
tanto e as reclamações também que o Prefeito Paulo de Frontin se viu “Obrigado”
a fazer uma visita e conversar com os representantes. Dentre as reivindicações
estavam:
1- Construção
da Av. Guanabara, contornando o litoral,
2- Construção
da estrada de rodagem entre a Penha e Vigário,
3- Aumento
das bicas de água pública
4- Estrada
de rodagem beirando a linha do trem para melhor comunicação com Brás de Pina,
5- Conservação
e limpeza das ruas,
6- Ponte
na Rua Major Cordovil,
7- Criação
da escola Mista em Cordovil.
Essas reivindicações foram se cumprindo com o passar
dos anos, quando construíram estrada Rio x Petrópolis , Av. Brasil, etc., porém
essas melhorias levaram um tempo considerável, pelo menos 9 anos no mínimo ,
tanto que em 1925, cansados de esperar
essas melhorias os moradores voltaram a reclamar, reclamavam de crise na
habitação, pois o bairro possuía poucos locais habitados devido á difícil
localização, o problemas da falta de segurança e a falta d’água, problema esse
que deveria ter sido resolvido em 1922 quando o Congresso Nacional autorizou as
melhorias para o abastecimento. O que a comissão de melhorias dizia é que se um
deputado morasse no local, Cordovil já teria o status que merecia, já que
segundo o Jornal “O Malho” de 1925, o bairro já contava com 10 mil habitantes.
CONSIDERAÇÕES
FINAIS
Quando há uma cidade em expansão os governantes
devem sempre pensa em todos os lados de uma Cidade, saneamento, transporte,
segurança pública. O modelo estrutural de cidade americana seria o perto do
ideal onde, a população trabalhadora fica mais perto do núcleo econômico e as
ditas elites nas periferias, isso cria um menos desgaste de tempo deslocamento
desses trabalhadores. No caso do Rio foi bem diferente, devido as reformar
iniciadas no governo Pereira passos e que se alastrou por outros governos o
processo foi de exclusão de massa trabalhadora e mais pobre, processo de
afastamento que levou a ocupação de bairros bem distantes desses núcleos.
Mas o que se é apontado que a única intervenção
pública nesses bairros do subúrbio foi apenas a ajuda com as negociações das
vendas das terras, pouco se tem notícias de projetos que beneficiassem essa
população, que já estavam em completa desvantagem de vida por terem sido
tiradas de suas casas e de perto de suas famílias. Não que aonde vivessem
tivesse algo apoio do poder público, mas morar perto de onde trabalhavam, perto
de pessoas conhecidas, faria muita diferença na vida dessas pessoas.
Tirando os portugueses que foram, em sua maioria,
por espontânea vontade, essas classes da população foram para um verdadeiro
lugar rural, sem nada, sem qualquer infraestrutura. A única maneira de ir em
direção ao centro era o trem, que passava em horários certos e não era
confiável em questão de segurança, ou andar até o Arraial da Penha para poder
pegar um bonde em direção não apenas ao centro para outras localidades.
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FONTES
PRIMÁRIAS:
[1]
Marginalizadas não no sentido pejorativo da palavra, mas no sentido de pessoa
que vive à margem do considerável aceitável da sociedade da época.
[2]
O IDHM. Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. Em 2012, o PNUD Brasil, o
Ipea e a Fundação João Pinheiro assumiram o desafio de adaptar a metodologia do
IDH Global para calcular o IDH Municipal (IDHM) dos 5.565 municípios
brasileiros.
[3]
Tabela População residente e taxa de crescimento demográfico das freguesias do
Rio de Janeiro- livro “Evolução Urbana do Rio de Janeiro” pág. 67.
[4]
Fonte: Prefeitura do Distrito Federal – livro evolução Urbana da cidade do Rio,
tabela 4.2, página 81.