sexta-feira, 6 de janeiro de 2017

A LUTA PELA SOBREVIVÊNCIA: O GÊNESE DO BAIRRO DE CORDOVIL E AS LUTAS SOCIOECONÔMICAS E CARACTERÍSTICAS DA POPULAÇÃO NO BAIRRO ENTRE 1910 E 1930
Paulo Jorge Gonçalves da Silva
RESUMO: A pesquisa foi realizada em cima de pesquisas de jornais antigos com o intuito de descobrir o perfil da população do bairro de Cordovil do início do século XX. Apontar todas as dificuldades enfrentadas pelas pessoas que começavam a estabelecer como residência o povoado que ainda viria se tornar bairro, passando antes pela história dos antigos donos e a sua relação com o governo do Rio de Janeiro. Traçar esse perfil foi de extrema dificuldade por não ter pesquisas ainda sobre quem eram as pessoas que foram em direção ao subúrbio, o que sabemos é que eram pobres, mas a intenção é tentar descobrir suas ocupações econômicas e seu perfil social usando uma visão de cunho marxista e a relação com a história social. Entender a pobreza com a falta de estrutura existente no local, a falta de investimento do governo e a relação população x poder público. Ao juntar toda a pesquisa, pretendo responder a duas perguntas: Qual o perfil dos primeiros moradores e o porquê do problema da falta de água e a violência no bairro.

PALAVRAS-CHAVE: Cordovil, Governo, água, violência

ABSTRACT: The research was carried out on the basis of surveys of old newspapers in order to discover the profile of the population of the Cordovil neighborhood of the early 20th century. To point out all the difficulties faced by the people who were beginning to establish as a residence the village that would still become a neighborhood, passing on the history of the former owners and their relationship with the government of Rio de Janeiro. Tracing this profile was extremely difficult because we did not have research on who the people were that went to the suburb, what we know is that they were poor, but the intention is to try to discover their economic occupations and their social profile using a vision Marxist and the relationship with social history. Understand poverty with the lack of existing structure in the locality, the lack of government investment and the relation population x public power. As I gather all the research, I want to answer two questions: What is the profile of the first residents and why is the problem of lack of water and violence in the neighborhood.

KEYWORDS: Cordovil, Government, water, violence














INTRODUÇÃO

O Rio de Janeiro, com os seus mais de 160 bairros, tem muitas histórias cercando suas origens. Achamos nomes ligados à linguagem indígena, a famílias portuguesas, a imobiliária. Nossas origens sempre nos remetem a um passado não muito distante, nos leva a um túnel de lembranças e saudosismo.  Realizando assim uma análise da contemporaneidade dos bairros suburbanos em suas questões sociais, podemos perceber que existe um efeito de total descaso de nossos governantes com tais logradouros. Mas isso não é um privilégio de nossos dias atuais, os problemas sociais, como por exemplo, a violência, é algo que se arrasta desde, muitas vezes, de sua formação como bairro, quando suas terras deixavam de serem fazendas ou chácaras e começavam a ser loteadas.

Cada bairro tem sua origem particular, o processo de nascimento deles foi provocado por inúmeros fatores como a inauguração da estrada de ferro ou a industrialização que crescia na cidade pela forte presença do capitalismo pós- 1889 mais em particular o subúrbio carioca, chamado antes de parte rural da cidade, teve um processo de ocupação pelas camadas mais pobres da população, claro que isso não é uma regra, mas bairros como Cordovil, Parada de Lucas e Vigário Geral, já surgiram com uma população considerada baixa renda e por muitas vezes marginalizado[1].

O que vemos em questões sociais desses bairros nos dias de hoje é uma construção, um processo histórico que vem se arrastando desde o nascimento dos mesmos, questões como falta de saneamento, problemas com transportes e segurança foram percebidos nessa região desde a chegada dos primeiros moradores, quando os primeiros terrenos estavam sendo loteados.

O mesmo acontece quando analisamos todo o processo de loteamento do bairro de Cordovil, antes uma fazenda prospera do Provedor Real Bartolomeu Cordovil, passando por um bairro em formação nos primeiros anos do século XX, que com a inauguração da linha férrea, trouxe pessoas de diversas origens em direção não apenas ao bairro, mas para toda a região chamada zona suburbana ou periferia imediata. Mas que já nos seus primórdios apresentava problemas sociais e que até hoje fez dele um bairro de classe média baixo e com inúmeros problemas sociais e de infraestrutura. O objetivo desse trabalho é esclarecer quem eram essas pessoas, quais suas histórias, no que trabalhavam e o porquê vieram parar no povoado que ainda mantinha características rurais, apenas com um único transporte para o núcleo econômico da cidade. Devemos entender também o por que o bairro registrava tantos problemas como a falta de água, um problema crônico que se arrasta até os dias de hoje, sendo que em 1912 foi inaugurado o reservatório da Penha, que captava água da nascente do rio Irajá e transmitia para os bairros do subúrbio, sendo que o povoado de Cordovil está a menos de dois quilômetros do reservatório.

O BAIRRO NO PRESENTE

Quando abrimos os jornais para as notícias e acontecimentos da cidade, quase sempre quando é mencionado o nome Cordovil, logo depois aparecem às palavras assalto, tiroteio e a mais repetida pelos órgãos de imprensa é área de risco. Mas, para entender o processo que o bairro vive é necessário buscar em suas origens certas informações que acabam refletindo nos dias atuais. O bairro vive um problema grave de segurança pública e se infraestrutura, apesar das reformas realizadas pela prefeitura, ainda existe problemas com enchentes, sempre quando chove, o Rio Irajá acaba virando uma bomba de doenças para moradores que moram na Av. Schultz Wenk.

Mas o que os moradores mais reclamam do bairro é a questão da segurança pública. Muitos atribuem os altos índices de violência a Cidade Alta, maior comunidade do bairro, quase todos dizem que o bairro era maravilhoso antes da chegada da comunidade, esse fator, junto com vários outros fez com que o bairro se ocupasse da modesta posição do ranking do IDHM[2] municipal de número 68 de 126 bairros. A classe política apenas aparece no bairro em época de eleição, claro, para poder fazer aquelas melhorias de seis meses para atrair voto. A última visita de um político de renome ao bairro foi o Sérgio Cabral filho quando tentava a vaga para o governo do Estado (Jornal ‘O Fluminense’,21/07/2010). Fora essa visita e uma vez ou outra algum candidato a vereador e/ou deputado que nunca consegue se eleger, temos a presença da vereadora Rosa Fernandes que contribui um pouco com melhorias do bairro, sempre trazendo obras rápidas e de qualidade duvidosa e sempre no ano das eleições para prefeito, onde ela sempre se candidata para o cargo de vereadora e vence sempre nas primeiras colocações (está no sexto mandato).

Segundo reportagem do Jornal “o Extra” de 2014, a região da 22 DP registrou no mês de janeiro 128 casos de crimes na região que a delegacia é responsável pelo patrulhamento, claro que o apontamento do jornal não é detalhado em relação a exatamente o local dos roubos, mas segundo a pesquisa a jornais de janeiro do mesmo ano, foi notado que os roubos aconteceram, na sua maioria, na região da Av. Brasil e Rua Cordovil. Locais com incidência de roubos acima do normal, devido até a proximidade com comunidades.

Mas para entender o bairro nos dias atuais, devemos fazer uma análise do início de sua criação e ver que os problemas, apesar de épocas distintas, têm muitos pontos semelhantes, o que nos leva a entender que nada mais é que um reflexo do passado, o Cordovil de ontem é bastante parecido com o de hoje, tanto nos problemas criminais, tanto de infraestrutura e ainda mais, no perfil de seus moradores, maioria de classe baixa a procura de um local para construir suas vidas. Temos relatos de períodos de relativa tranquilidade do bairro, momentos que os moradores não reclamavam tanto, apesar dos problemas.

O NASCER DO BAIRRO E SEUS PRIMEIROS MORADORES

A família Cordovil chega ao Brasil no início dos anos 1700 e logo se estabeleceram na fazenda real que foi cedida pela sua majestade, o Rei de Portugal pelos serviços realizados no reino, Bartolomeu de Siqueira Cordovil o primeiro dono da fazenda, logo depois de sua chegada casa-se na capela de Irajá em 1707 com a filha do dono do engenho do Irajá, a senhorita Margarida Pimenta de Mello. Bartolomeu dentro outros cargos foi secretário do Governo da capitania do Rio de Janeiro (assumiu dia 20 de janeiro de 1705), cargo dado a apenas homens de confiança. Faleceu dia 3 de janeiro de 1738 deixando como herança as terras para o filho Francisco Cordovil de Siqueira e Mello substituiu os negócios do pai.

“No Brasil temos, Bartolomeu de Sequeira Cordovil, natural da Vila de Alvito, em Èvora, nascido por volta de 1640, casou-se com Natália Fróes, também da mesma vila. Dessa união nasceu Francisco Cordovil de Siqueira, que era proprietário do Ofício de Provedor da Fazenda Real e foi casado com Dona Margarida Pacheco Ayró, filha de Antônio Vaz Gago e Dona Isabel Pacheca”. (CORDOVIL,2000,p.12)

Toda sua descendência foi de importância ímpar não apenas para a história do Rio de janeiro, mas como a do Brasil, sempre quando folheamos os anais da colônia e do  império vemos o sobrenome Cordovil como por exemplo o Major Wenceslau Cordovil de Siqueira e Mello que exerceu várias funções , sendo de destaque maior Juiz de Paz e Presidente do Colégio Eleitoral para a eleição de Deputados e do maior dos Cordovil o Almirante Joaquim Antônio Cordovil Maurity, considerado um herói na guerra do Paraguai, foi o aluno zero um de sua turma na escola naval, participou ativamente da guerra do Paraguai, homem de confiança no Império e na república, representou o brasil no exterior em várias missões. Visconde de ouro preto em sua obra “A Marinha de Outrora” fez uma citação ao ato de bravura de Maurity, D.Pedro II também fez homenagem ao militar pela sua dedicação ao Império.

“É dos mais distintos oficiais da Marinha de meu país, comandava o pequeno monitor Alagoas, que cortava sob fogo das baterias da fortaleza de Humaitá, a corrente que barrava o rio Paraguay. Ele vai assistir a conferencia marítima e eu vou vê-lo recomento vivamente” (CORDOVIL,2000,p.21).

Mas o dito progresso disfarçado de capitalismo chega com força ao Rio. Depois do Golpe de 1889 o Rio de Janeiro vai experimentar uma grande evolução urbana, locais até então consideradas zonas rurais vão aos poucos sendo incorporada a cidade, sendo iniciado um processo de urbanização que vai trazer muitas pessoas para regiões inóspitas. Quando falamos de bairros como Cordovil, Brás de Pina entre outros, devemos atribuir seu surgimento principalmente aos trens, pois a necessidade de lotear esses terrenos era urgente, pois o processo urbano da cidade influenciado pelo capitalismo viu que o pobre não deveria ter lugar no centro e nos bairros emergentes, que para a cidade evoluir, era necessário realizar uma obra de urbanização onde o pobre fosse afastado do lugar de trabalho, já que com a nova visão de cidade, o custo de vida do centro seria muito maior. A estrutura do espaço das novas cidades tem muito a ver com os conflitos entre classes, a luta pelo domínio territorial, elitizar uma zona em detrimento a outra, e como o governo recém-posto no poder apoiava os planos das elites, foi o ambiente perfeito para a separação social definitiva.

“A estrutura espacial de uma cidade capitalista não pode ser não pode ser dissociada das práticas sociais e dos conflitos existentes entre as classes urbanas. Com efeito, a luta de classes também se reflete na luta pelo domínio do espaço, marcando a forma de ocupação de solo urbano. Por outro lado, a recíproca é verdadeira: nas classes capitalistas, a forma de organização do espaço tende a organizar e assegurar a concentração de renda e de poder na mão de poucos, realimentando os conflitos de classes” (ABREU,2013,p.15)

Esse novo patrão de cidade divide o terreno em núcleo e as periferias, onde esse núcleo concentra as funções centrais (econômica, administrativa, financeira, políticas e culturais) e a periferia concentrando as famílias de classe média baixa. Foi nessa conjuntura que a família Cordovil viu a oportunidade de ganhar um dinheiro vendendo em definitivo suas terras para Visconde de Moraes (1848-1931).

Esse trecho retirado do diário oficial da compra das terras por visconde de Moraes que foi o responsável pelo loteamento do bairro, mas os registros do século XVIII mostram que a família Cordovil já tinha posto terras a venda e possivelmente os primeiros moradores do bairro chegaram por volta de 1840.

“Freguesia de Irajá, compradas de Venceslau Cordovil de Siqueira 'e Mello, por Si e como procurador de sua mulher, Felicidade Ferreira de Abreu Cordovil, por escritura de 17 de abril de 1891, lavradas em notas do tabelião Dario desta Capital, e a D. Joaquina Eulalia Cordovil Maurity, viúva, por escritura de 21 de julho de 1891, lavrada em notas do mesmo Tabelião. Pela primeira escritura de 17 de abril de 1891 constam as seguintes confrontações e características da propriedade: a fazenda do Provedor, á qual estava incorporado o sitio chamado dos Meninos, depois sitio Grande, compreendendo toda a fazenda, casa da vivenda, diversas construções e benfeitorias, confinada por um lado com a estrada de Irajá, por outro com D. Anua Agostinho Cordovil de Siqueira, co-herdeira da fazenda referida, parte sul, e hoje pertencente ao co-herdeiro Antonio Cordovil. As terras, casas e mais benfeitorias confinam pelo lado do travessão com os outros co-herdeiros Joaquina, Francisco, Arma e Wencesláo, e por outro lado pelo sitio que foi de D. Rosa, com a da Capella, caminho do Porto Velho e com as terras do Braz de Pina. Pela segunda escritura de 21 de julho de 1891, foi adquirida parte da Fazenda do Provedor, a qual está incorporada a outra denominada sitio dos Meninos, confinando por um lado com o caminho do embarque, por outro com Francisco Cordovil, um total de 1.113.000 m2 adquirido por Visconde de Moraes” (Diário Oficial 25 de abril de 1912 - quinta feira).

 Oficialmente o bairro nasceu dia 5 de outubro de 1910 devido a lei nº 989/2002, da vereadora Rosa Fernandes, porém no livro de Waldir Fontoura nos mostra que existia um local onde o trem parava para descarregar produtos e embarcar os mesmos, essa primitiva estação estava na direção da Rua Cordovil, que foi construída para além de trazer e levar produtos agrícolas, levava também produtos para a construção de locais para captação de água de mananciais de Tinguá e Xerém. O trem foi importante e o principal responsável pela transformação das antigas freguesias, até então exclusivamente rurais, em bairros em crescimento. Essas áreas abertas em volta da linha férrea deveriam se destinar para os mais pobres, que se deslocavam em massa. Para servir todas as classes, as locomotivas eram dividias em classes, primeira, segunda e terceira classe.
Ao analisar periódicos da época, foi possível encontrar uma reportagem de 1836 onde descreve as características do bairro, onde um local estava sendo posto à venda para quem interessar, essa região seria hoje a Rua Amaetinga e Aricambu locais que oferecem uma bela visão do mar (quando existia é claro):

“Vendem-se as benfeitorias de dois sítios anexos em terras de Sebastião Cordovil e Venceslau Cordovil, no Porto Velho de Irajá, tendo sofrível casa de vivenda nova de pedra e tijolos, com cômodos para uma grande família, com poço de água dentro, cujo é de pedra e sal, com uma bela vista, até vê a cidade, uma grande porção de enxertos de diferentes qualidades, todas em frente a uma plantação de café e tudo alinhado em boa ordem, quem interessar se dirigir a rua da Quitanda 226” (Jornal O Paquete,1836).




 Foto: página Jornais Antigos- Tiago Silva Bandeira

O que quero apontar é que os primeiros moradores do bairro são de sua grande maioria de origem pobre, mas existe um contraponto nessa hipótese. Brasil Gerson em seu livro Ruas do Rio aponta um grupo de portugueses com poder aquisitivo bom morando no bairro, o que me leva a pensar em dois pontos: Ou eram comerciantes que buscavam oportunidade de crescimento no bairro, ou eram pessoas realmente com condições que buscaram o bairro a fim de fugir das garras dos impostos da república. Uma família que até os dias de hoje habita nossa região é a família Bonavita, que em 1930 eram donos de uma Olaria que existia na Estrada do Porto Velho, família essa de origem Portuguesa.

  “A periferia imediata é, principalmente, o local de residência da classe baixa” (ABREU,2013,p.25).  O que me sustenta em dizer que, majoritariamente o bairro era formado por pessoas pobres são as propagandas de vendas dos terrenos. O periódico ‘A Noite’ noticia em 14 de abril de 1913 a chamada de venda de terrenos no bairro, logo depois no mesmo ano ‘O Malho’ também anuncia a venda mais com os preços de $300 reis, 8$500 réis e 5$700 reis. Fazendo um comparativo que nessa mesma época, outro bairro estava em formação, mas sem o trem, percebemos que realmente o bairro foi feito para os de periferias, os terrenos em Copacabana, que na época era um deserto e lugar para pescadores, os primeiros terrenos foram vendidos por 3.000$ a 4.000$ réis. Em uma época que os trabalhadores não tinham condições de vida dignas e melhores e com a pressão da elite e do governo em arrastar a classe para longe dos núcleos financeiros, os preços desses bairros ficaram atrativos para começar a vida ou recomeçar, já que o governo republicano representado pelo prefeito Pereira Passos fez uma grande reformulação no núcleo da cidade, fazendo com o que essa massa mais desfavorecida fosse expulsa de suas moradias.

A taxa de crescimento[3] de bairros que englobavam a freguesia de Irajá entre os anos de 1890 á 1906 é de 109%. Em 1890 a estimativa de moradores na freguesia era de 13.130 pessoas, em 1906 passou a ser 27.410, essas pessoas se concentraram mais em regiões aonde existiam a presença da linha férrea, e podemos afirmar que a grande maioria era de pessoas de baixa renda.

ANOS 20 E 30: A VIOLÊNCIA E A FALTA DE ÁGUA ASSOLAM A POPULAÇÃO

“Com a boca na butija: Armado com um pé de cabra, estava entregue a um trabalho na porta da casa de Eugênio Bayão, na Estrada do Porto Velho em Cordovil, o ladrão Pedro Paulo, quando um policial viu e o prendeu. A polícia do 22 districto atuou o ladrão” (Jornal ‘A Época’, 24 de março de 1918)

Temos de um lado uma cidade se modernizando e crescendo, cada prefeito que entra dá continuidade para embelezar a cidade que interessa, ou seja, o centro e zona sul. Nesse mesmo período o subúrbio já foi sendo esquecido pelo poder público, mas o processo de ocupação foi se intensificando, com isso foi aparecendo problemas característicos de uma zona pobre.

A reportagem do periódico “A Época” nos mostra apenas um trecho que o bairro já apresentava roubos, assaltos e suicídios eram algo comum de acontecer, o descaso era tanto que em alguns jornais não conheciam a localidade, no “Jornal do Brasil” de 21 de março de 1927 a reportagem dizia: “...estrada do Porto Velho - Brás de Pina”. Um grave erro de localidade, já que sabemos que a estrada é a principal Rua de Cordovil.

No começo dos anos 20, a polaridade da população já se mostrava bem definida, na zonal sul predominantemente vivia a classe alta, na zona Norte e antiga Zona Sul a classe média e subúrbio a classe mais baixa. A densidade demográfica[4] bruta por quilometro quadrado em 1906 era de 212 km2, em 1920 pulou para 770 km2. A população da freguesia pulou de 27.410 para 99.586 em 1920, ou seja, um aumento de 263%.

O problema social dos assaltos é algo que caminha junto com dois casos: A pobreza e a ausência do poder público. Podemos tirar como exemplo as favelas dos anos 60, lugares extremamente pobres, sem a atuação dos governantes e quem ditava as regras era (e ainda é) o poder paralelo.

Em pouco tempo a população da freguesia de Irajá cresceu de forma acelerada, muito se contribui esse fato ao bairro de Madureira, mas Cordovil que mantinha ainda um pouco de suas características rurais também apresentava uma população em crescimento, principalmente na Estrada do Porto Velho, que era o acesso direto a estação de trem, existiam alguns pequenos comércios no local como Olarias e vendedores de peixe.

Um levantamento feito em cima do jornal do Brasil durante o ano de 1925 apontou números bem interessantes. Houve doze roubos, três assassinatos e dois suicídios. Ou seja, esses números apontam características de regiões cercados pela pobreza, indica uma população em formação de baixa renda e com inúmeros problemas com segurança pública. Foi feito uma tentativa de realizar um levantamento de taxas de homicídios e roubos da região junto ao arquivo da PM, porém a mesma não colaborou com nossa pesquisa, mas em conversas com moradores que viveram no final dos anos 30 lembram-se de um bairro de poucas casas, apenas a região de Porto Velho com ocupações, região da praça treze com pessoas com um poder aquisitivo maior (poderia ser os portugueses), poucos comércios e estação de trem sem muros.

Não era apenas o problema da violência que afetava o bairro, outro problema de grande reclamação dos moradores era a falta d’água. Mas isso não fazia o menor sentido pois o reservatório da Penha, inaugurado em 1914 estava numa distância pequena e seria o suficiente para abastecer o pequeno povoado.




Fotos do reservatório da Penha. 
Fonte: Página Penha RJ




O terreno onde fica o reservatório da penha foi desmembrado da chácara das Palmeiras no dia 08 de agosto de 1911, esse reservatório abasteceu Bonsucesso, Ramos, Olaria, Penha, Brás de Pina, Cordovil, Vigário Geral e Ilha do Governador. O reservatório foi inaugurado em 1914 e era considerado um verdadeiro marco da engenharia e uma inovação, pois usou uma técnica nova, o concreto armado, ele era totalmente descoberto, tinha forma tronco-cônica, dividido em dois compartimentos. Ao centro um grande poço cilíndrico com aparelhos de manobra com capacidade de 2.000 metros cúbicos d’água. O reservatório está na serra da misericórdia- hoje morro da caixa d’água- e ocupa uma área de 2.449,30 metros quadrados. Foi desativado no final dos anos 80.

Esse reservatório começou captando água direto da nascente do rio Irajá em Vicente de Carvalho, depois foi ampliado sua rede de abastecimento de mananciais de Xerém. Ao mesmo tempo, não vemos reclamações de problemas de abastecimento em Ramos e Bonsucesso, locais do subúrbio com moradores com maior poder de compra, então um fato me chamou atenção.

No periódico “Correio da Manhã” do dia 21 de dezembro de 1921 aponta uma reportagem sobre o rompimento do cano principal que abastecia os bairros, vazando números incalculáveis de água, então o governo limitou a abertura das comportas para a distribuição de água, para que não houvesse mais rompimentos no sistema, sendo que esse problema foi resolvido apenas nos anos 60, o que nos aponta que Cordovil conviveu com a falta da água durante quarenta anos. No bairro existiam bicas públicas que ajudavam de certa forma no abastecimento, mas não era o suficiente para suprir a necessidade de um bairro em crescimento.

“Círculo de melhoramentos dos subúrbios da Leopoldina: No próximo domingo, dia 11, às 15 horas, efetiva-se na sede desta associação, a Estação de Cordovil, sessão solene do biênio social 1920- 1921” (Jornal ‘A Rua’,7 de janeiro de 1920).

Era um povo sofrido e sem presença política que pudesse representa-los. Foi então que no final dos anos dez foi criado coma comissão de melhoramentos do bairro, que eram responsáveis em levar ao conhecimento das autoridades, todas as reclamações da localidade, tinha cede na estação de Cordovil, na pequena casa que servia como estação. O jornal “ O Fluminense” do dia 24 de março de 1920 traz uma reportagem contando o sofrimento do local, dizendo que era uma população pequena, mas humilde e sofrida e que essa comissão escreveu uma carta para o Presidente da República pedindo melhorias urgentes para o povoado. Pouco tempo depois, o desespero era tanto e as reclamações também que o Prefeito Paulo de Frontin se viu “Obrigado” a fazer uma visita e conversar com os representantes. Dentre as reivindicações estavam:

1-      Construção da Av. Guanabara, contornando o litoral,
2-      Construção da estrada de rodagem entre a Penha e Vigário,
3-      Aumento das bicas de água pública
4-      Estrada de rodagem beirando a linha do trem para melhor comunicação com Brás de Pina,
5-      Conservação e limpeza das ruas,
6-      Ponte na Rua Major Cordovil,
7-      Criação da escola Mista em Cordovil.

Essas reivindicações foram se cumprindo com o passar dos anos, quando construíram estrada Rio x Petrópolis , Av. Brasil, etc., porém essas melhorias levaram um tempo considerável, pelo menos 9 anos no mínimo , tanto que em 1925, cansados de  esperar essas melhorias os moradores voltaram a reclamar, reclamavam de crise na habitação, pois o bairro possuía poucos locais habitados devido á difícil localização, o problemas da falta de segurança e a falta d’água, problema esse que deveria ter sido resolvido em 1922 quando o Congresso Nacional autorizou as melhorias para o abastecimento. O que a comissão de melhorias dizia é que se um deputado morasse no local, Cordovil já teria o status que merecia, já que segundo o Jornal “O Malho” de 1925, o bairro já contava com 10 mil habitantes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Quando há uma cidade em expansão os governantes devem sempre pensa em todos os lados de uma Cidade, saneamento, transporte, segurança pública. O modelo estrutural de cidade americana seria o perto do ideal onde, a população trabalhadora fica mais perto do núcleo econômico e as ditas elites nas periferias, isso cria um menos desgaste de tempo deslocamento desses trabalhadores. No caso do Rio foi bem diferente, devido as reformar iniciadas no governo Pereira passos e que se alastrou por outros governos o processo foi de exclusão de massa trabalhadora e mais pobre, processo de afastamento que levou a ocupação de bairros bem distantes desses núcleos.

Mas o que se é apontado que a única intervenção pública nesses bairros do subúrbio foi apenas a ajuda com as negociações das vendas das terras, pouco se tem notícias de projetos que beneficiassem essa população, que já estavam em completa desvantagem de vida por terem sido tiradas de suas casas e de perto de suas famílias. Não que aonde vivessem tivesse algo apoio do poder público, mas morar perto de onde trabalhavam, perto de pessoas conhecidas, faria muita diferença na vida dessas pessoas.

Tirando os portugueses que foram, em sua maioria, por espontânea vontade, essas classes da população foram para um verdadeiro lugar rural, sem nada, sem qualquer infraestrutura. A única maneira de ir em direção ao centro era o trem, que passava em horários certos e não era confiável em questão de segurança, ou andar até o Arraial da Penha para poder pegar um bonde em direção não apenas ao centro para outras localidades.





























BIBLIOGRAFIA

ABREU, Mauricio de A. Evolução Urbana do Rio de Janeiro. 4ª edição. Rio de Janeiro: Editora IPP,2013.

BRASIL, Gerson. História das Ruas do Rio. 6ª edição. Rio de Janeiro: Bem-Te-Vi,2015.

BRUM, Mario Sergio Ignácio. Cidade Alta: Histórias, memórias e estigmas de favela num conjunto habitacional do Rio de Janeiro. 12 de julho de 2011. 362 páginas. Tese de Doutorado – Universidade Federal Fluminense – Niterói,2011.

CARVALHO, José Murilo. Os Bestializados: o Rio de Janeiro e a república que não foi. 3ª edição. 22ª reimpressão. São Paulo: Companhia das Letras,2013.

CORDOVIL, Waldir da Fontoura Cordovi Pires. Cordovil Suas origens, a família, o bairro. Rio de Janeiro: True Produções e Designs, 2000.

FREIRE, Américo. Guerra de posições na Metrópole: a prefeitura e as empresas de ônibus no Rio de Janeiro (1906-1948). 1º edição. Rio de Janeiro: Editora FGV,2001.

LETIERE, Robson. Rio Bairros: Uma breve História dos Bairros Cariocas de A a Z. 2ª edição. Rio de Janeiro: Independente, 2015.

SANTOS, Noronha. As freguesias do Rio Antigo. 6ª edição. Rio de Janeiro: Edições O Cruzeiro,1965.

Portal Extra. Roubo de rua: levantamento do EXTRA mostra ruas e horários mais perigosos. Disponível em: <http://www.extra.globo.com/casos-de-policia/roubo-de-rua-levantamento-do-extra-mostra-ruas-horarios-mais-perigosos-12309814.html>. Acesso em: 10 de outubro de 2016.

Portal IBGE. Disponível em:<http://www.ibge.org.com.br>. Acesso em: 04 de outubro de 2016.

Portal. Título. Disponível em: <http://www.cedae.com.br>. Acesso em: 01º de setembro de 2016.

Portal TV Brasil. Bairro de Cordovil, zona norte do RJ, ocupa a 98a posição do IDH nas cidades. Disponível em: <http://www.tvbrasil.ebc.com.br/reporterbrasil/bloco/bairro-de-cordovil-zona-norte-do-rj-ocupa-a-98a-posicao-do-idh-nas-cidades>. Acesso em: 01º de setembro de 2016.

FONTES PRIMÁRIAS:

Portal Biblioteca Nacional Brasil. Disponível em: <ht



[1] Marginalizadas não no sentido pejorativo da palavra, mas no sentido de pessoa que vive à margem do considerável aceitável da sociedade da época.
[2] O IDHM. Atlas do Desenvolvimento Humano no Brasil. Em 2012, o PNUD Brasil, o Ipea e a Fundação João Pinheiro assumiram o desafio de adaptar a metodologia do IDH Global para calcular o IDH Municipal (IDHM) dos 5.565 municípios brasileiros.
[3] Tabela População residente e taxa de crescimento demográfico das freguesias do Rio de Janeiro- livro “Evolução Urbana do Rio de Janeiro” pág. 67.
[4] Fonte: Prefeitura do Distrito Federal – livro evolução Urbana da cidade do Rio, tabela 4.2, página 81.

5 comentários:

  1. Show de bola, lembro que até na minha época quando morei em cordovil, havia muita falta d'água mesmo. Gostei do seu trabalho, parabéns !

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  2. Show de bola, lembro que até na minha época quando morei em cordovil, havia muita falta d'água mesmo. Gostei do seu trabalho, parabéns !

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  3. Parabéns pelo seu trabalho, lembro que na minha época, a falta d'água era constante, pelo jeito ainda continua.

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  4. Artigo bastante interessante. Com relação ao conjunto habitacional da Cidade Alta, todos os autores não tem o cuidado de ressaltar que naquela localidade existe um outro conjunto que não é de ex-favelados, mas de pessoas que fizeram financiamento de seus apartamentos pelo BNH e que viram seus esforços jogados no lixo quando resolveram levar os moradores da Favela do Pinto para os apartamentos da COHAB. Quem tiver a curiosidade é só ir ao local e perceber a diferença entre os dois conjuntos. Naturalmente os apartamentos do Conjunto Vista Mar, do BNH, perdeu o valor por conta da favelização do Conjunto Cidade Alta, da COHAB.

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  5. Sua pesquisa histórica é muito importante para o conhecimento dos bairros cariocas. Traça um retrato que deveria ser conhecido por todos na nossa cidade.
    Parabéns ao grande Historiador!

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