quarta-feira, 4 de setembro de 2019

Por quê a Esquerda não vence no Rio de Janeiro?

Algumas coisas que aprendi com os documentos do  Partido Comunista

Quando foi criado em 1922, o Partido Comunista Brasileiro conseguiu arregimentar um grande número de simpatizantes no Rio de Janeiro. Cidade com centenas de fábricas e uma mão de obra numerosa, não foi difícil para que esta mesma classe trabalhadora se identificasse com muitas propostas do “Partidão”.


Também não demorou nada para que as atividades do partido chamassem a atenção da Polícia do Distrito Federal, mais especificamente do braço político da corporação. Desde o início do século XX, a Polícia do Rio de Janeiro criou a tradição de monitorar este tipo de atividade política, oriunda de partidos e movimentos sociais.

Na estrutura burocrática do Estado, esta atividade tomou corpo na criação de vários órgãos que tiveram como função precípua, coletar informação, monitorar e claro, reprimir as atividades de partidos, movimentos sociais ou agremiações considerados pelo Estado como perigosos à ordem pública.
 Estes órgãos receberam o nome de Departamento de Polícia Política e Segurança DESPS,  Departamento de Polícia Política e Social DPS e Departamento de Ordem Política e Social DOPS. O nome de fantasia mudava, de acordo com os ventos da política e as conveniências da burocracia, mas a atividade fim permanecia a mesma. 


aRestauração da fachada do prédio do extinto Dops, no Centro do Rio

Pois bem, ao longo de décadas, estes órgãos produziram e acumularam uma quantidade enorme de documentos, que só muito recentemente passaram a ser disponibilizados aos pesquisadores. Uma parte muito importante da história recente do Brasil está enterrada nestas montanhas de documentos.
Uma destas muitas histórias, creio, pode nos ajudar a entender e responder à uma pergunta que considero para lá de contemporânea: por quê a “esquerda” não vence no Rio de Janeiro. Nas eleições municipais de 2016, a cidade do Rio de Janeiro foi o cenário para uma disputa eleitoral, que não se resumia apenas às diferentes plataformas políticas de candidatos em disputa. Era uma eleição em que projetos políticos muito diferentes estavam sendo discutidos. De certa maneira, ali naquela eleição para Prefeito do Rio de Janeiro, uma parte do futuro do país estava em jogo.






Como se sabe, a candidatura de Marcelo Crivella sagrou-se vencedora e uma das razões apontadas para a derrota de seu oponente, Marcelo Freixo, era que sua candidatura, embora empolgante, não conseguiu atingir os corações e as mentes do carioca que morava nos distantes bairros da periferia. Como carioca, o que mais ouvia ao perguntar aos meus confrades suburbanos sobre as razões para não terem votado em Freixo era a resposta de que ele, um “candidato Zona Sul”, ou seja, um candidato cujas propostas estavam muito mais afinadas com o horizonte intelectual dos moradores da “Zona Sul”, do que dos moradores de outros bairros da cidade.

Isso me intrigava por demais. Afinal, “playboy” por “playboy”, Eduardo Paes encaixava-se muito mais neste perfil e mesmo assim, ganhou uma eleição com uma tranquilidade poucas vezes vista na história política do Rio de Janeiro. Como dizia o Caetano Veloso, tinha alguma coisa fora da ordem.
Pois bem, aproveito este espaço para mostrar ao leitor minha hipótese, baseada em um exame da história política do Rio de Janeiro, nos últimos 70 anos.

Quando trabalhava com a documentação sobre o Partido Comunista produzida pelas polícias políticas do Rio de janeiro, constatei que o partido conseguiu desenvolver uma grande rede de células, associações de bairro, agremiações, etc, em praticamente todos os bairros do Rio de Janeiro. O ‘partidão” estava presente em uma favela de Bráz de Pina, na forma de uma associação de moradores a reivindicarem melhoramentos para o seu bairro, estava presente em uma indústria têxtil,  em uma célula, estava presente também em algum bloco de carnaval, e assim por diante.

Resumindo, pelo menos no período em que esteve na legalidade, o Partido Comunista desenvolveu um forte sentido de capilaridade de suas atividades. Creio que isso ajuda, e muito, a explicar o seu breve, mas surpreendente sucesso eleitoral. Ora, depois que o Partido Comunista caiu na ilegalidade, não houve registro de agremiação de “esquerda” que conseguisse replicar a capilaridade atingida pelo Partido Comunista. E essa lacuna, desde então, foi ocupada pelos evangélicos.

Por isso, creio que o sucesso de Crivella nestas eleições deve-se ao fato de que hoje quem consegue desenvolver uma penetração junto à população de maneira similar àquela que o Partido Comunista teve no passado são os evangélicos, e sua vitória por isso não chega a ser surpreendente.
Não sei, mas penso que não seria de todo mal se os setores da esquerda no Rio de Janeiro tomassem o passado como uma fonte de reflexão sobre o que fazer no futuro. Seja como for, o legado deixado pelo Partido Comunista no século XX, pode ser consultado no Arquivo Público do Rio de Janeiro.
 Para não esquecer: o Arquivo fica na Praia de Botafogo, 480 e apesar do tsunami que se abateu no governo do Estado, ainda está lá funcionando


Professor Zabriskie Point

domingo, 1 de setembro de 2019


A revolta do povo: Vamos quebrar tudo



ESTAÇÃO DE OLARIA COMPLETAMENTE DESTRUÍDA 



Uma das grandes reclamações nos dias atuais dos cariocas é o transporte público. Sendo justo, o sistema de trens da cidade foi o transporte que mostrou maior evolução na questão horário e conforto, apensar de estar longe do ideal. Atrasos das composições, acidentes, quebras repentinas e paralisações devido a tiroteios são fatores de maior reclamação dos usuários. 




A relação histórica entre o trem e o Rio de Janeiro é tão profunda que podemos dizer que o subúrbio só existe devido ao trem. Grande historiadores já verificaram que a abertura de loteamento nas terras da antiga zona rural se deu devido a linha férrea passar pela localidade, enxergaram que poderiam obter lucro com trabalhadores que poderiam usar o serviço para chegar ao destino dos empregos, Mauricio de Almeida Abreu disse:


...a abertura do subúrbio ao proletariado, foi decorrência direta da entrada em funcionamento, nas décadas de 1880 e de 1890, de três ferrovias (Leopoldina, Rio D’Ouro e Melhoramentos do Brasil)...(Abreu, 2003).


Ligado historicamente, essa relação já teve milhares de momentos bem conturbados, talvez o mais famoso tenha sido o acidente em 2001 ainda na antiga estação Leopoldina, onde um trem entrou com tudo no terminal, ferindo algumas pessoas e fechando a estação de vez.  Mas um incidente grave estremeceu essa relação ainda no período de lua de mel em 1919, vamos conhecer esse caso?

FOLHA UOL



 O periódico comentava no início da reportagem dizia que o mesmo fez cobranças ao ministro da Viação sobre a construção de viadutos em São Cristóvão para a passagem do trem, a fim de melhorar o transito no local e cobraram também a melhoria do serviço da companhia de trem que julgava péssima pelo serviço que era cobrado. A população da zona suburbana reclamava muito dos horários e das péssimas condições dos trens, a empresa claro que tentou se defender de todas as formas.





Eventos ocorridos entre as estações de “Bomsucesso” e Penha Circular marcaria de forma pesada a indignação do povo. A população dessa região se sentia menosprezada, abandonada pelo poder público e da companhia de trens, sentia-se abandonada pela sorte e resolveu agir de forma brutal. Homens se juntaram em vários bairros, em comum acordo. Relatos de desprezo das reclamações por parte da empresa deixaram a população ainda mais revoltada.


Inevitável a explosão de ódio e raiva da população depois de tantos maus tratos, as reclamações da Estrada de Ferro Leopoldina era tantas e nada foi resolvido, trens imundos, constante falta de carro para suprir os horários e/ou substituir carros quebrados, falta de carros para transporte de mercadorias, e todo esse ódio estourou primeiro na estação da Penha.

Tinham muita gente para entrar na composição, a estação estava mais cheia do que de costume, pessoas revoltadas esperaram o trem chegar e uma voz ecoou do meio da multidão:

- Vamos lá, a Leopoldina merece uma lição!

Enquanto alguns carregavam fogo, outros procuravam na cabine dos bilhetes, os responsáveis pelo local, acharam alguns funcionários mais de nada adiantariam eles, pois eram meros executores das ordens da mãe Leopoldina. O povo revoltado começou o quebra-quebra e colocou fogo na composição.



BOMBEIROS TENTANDO APAGAR O FOGO  : AS DUAS PRIMEIRAS FOTOS É DE RAMOS E A ÚLTIMA NA PENHA


EM OLARIA...
Na estação de Olaria havia o mesmo estado de indignação por parte dos moradores da localidade, os atrasos, as péssimas condições da estação e dos trens estavam deixando os moradores extremamente irritados. As notícias dos acontecidos na Penha chegaram rapidamente a Olaria, isso foi o gatilho para a revolta se instalar por lá. Como não havia um trem para queimar, as pessoas começaram a destruição pela estação mesmo, primeiro quebraram ela toda, depois atearam fogo.

RAMOS...

Mesma tensão dos outros lugares, sendo que lá o bairro, eles destruíram os ferros da linha férrea, impossibilitando a passagem do trem.






Na PENHA CIRCULAR, o coitado do trem que pagou o pato, vindo da Praia da Formosa em direção a Minas Gerais, ele foi parado na Penha Circular e ateado fogo, dando um grande prejuízo para a companhia. Alguns minutos depois, com o trem em chamas a polícia chegou e tentou prender os populares que correram em direção as lideranças do movimento, o quartel general do movimento: a Estação da PENHA, onde outros estavam lá coordenando as ações. Na Penha, o povo colocou fogo no trem, nos armazéns e na estação, os funcionários fugiram correndo.

Mas a solução estava a caminho, a turma dos bombeiros, nossos heróis foram chamados para apagar o fogo e tentar salvar o que restava das construções Ao chegar nos locais dos acontecimentos se depararam com um problema “simples”: Não tinha água! Mas os bravos bombeiros lutaram contra o fogo com o que tinham na mão (a reportagem não relata como foi esse processo).





Durante o ocorrido, os trens eram parados na estação de Triagem que ali ficaram, parados em fila, até os distúrbios passarem. Os ânimos se acalmaram depois da chegada da brigada militar que se posicionaram em todas as estações onde aconteceram os protestos.
Os relatos de incidentes também foram registrados em VIGÁRIO GERAL, PARADA DE LUCAS E BRÁZ DE PINA, em todos essas estações houveram registros de incidentes, mas não da magnitude do que ocorreu em outras estações. Mas a revolta foi percebida por toda a região da Leopoldina.

Foram registrados feridos em todos os lugares, todos encaminhados para a Santa Casa. Três meliantes foram presos por incitar e ser os acusados dos líderes do movimento. O tráfego ficou prejudicado durante alguns dias, e o transporte para Petrópolis e Teresópolis apresentou problemas, as estações ficaram fechadas e o povo obrigado a ficar em condições ainda piores para a espera do trem.

Segundo conferido em jornais depois do ocorrido, houve uma melhora, mas nada significativo, ou seja, houve todo um quebra-quebra e nada mudou de fato.