'Campeões esquecidos' do Carioca lutam por reconhecimento de títulos após sucesso no São Cristóvão
No fim do ano passado, o São Cristóvão conseguiu a oficialização do título carioca de 1937, concluindo um processo que tramitou por cerca de um ano nos bastidores da Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro (Ferj) e deu o bicampeonato estadual ao clube da Zona Norte. Após 86 anos em que esta parte da história foi deixada de lado, o Cadete pode ter puxado a fila em definitivo para que outros seis clubes consigam este importante reconhecimento.
A Liga Metropolitana de Desportos Terrestres (LMDT) organizava o campeonato oficialmente entre 1917 e 1923. Naquele último ano, o Vasco conquistou o torneio com uma equipe que contava com jogadores negros e operários, o que levou os clubes da elite a fundarem a Associação Metropolitana de Esportes Athleticos (AMEA).
O cruz-maltino ficou na LMDT e a venceu em 1924 — título reconhecido —, mas se transferiu no ano seguinte. Só que o torneio seguiu existindo. De 1925 a 1932, quando o profissionalismo se estabeleceu no futebol brasileiro, seis clubes faturaram a LMDT.
O título do São Cristóvão veio em outro contexto, em uma temporada onde o Carioca ainda vivia uma cisão por conta da briga pelo modelo amador, e o clube venceu a liga que era considerada profissional, organizada pela Federação Metropolitana de Desportos (FMD). Porém, uma conciliação no meio do caminho ignorou o título e terminou com um torneio onde o Fluminense foi campeão.
— Era um time muito bom. Inclusive, tinha dois jogadores na seleção brasileira que jogou a Copa do Mundo de 1938: o atacante Roberto e o meia Afonsinho. O treinador do São Cristóvão era da seleção: Ademar Pimenta. Não era um São Cristóvão qualquer — disse ao GLOBO o jornalista André Luiz Pereira Nunes, responsável por conduzir a pesquisa sobre o título.
Ele deu sequência ao trabalho do historiador Raymundo Quadros, autor do livro "O Campeão Esquecido", mas que não havia conseguido sucesso em reivindicações anteriores. Fazendo um esforço voluntário, montou um requerimento baseado em provas cabais daquele torneio.
Moção pode ajudar
O São Cristóvão teve um caminho um pouco mais facilitado, por ainda ser um clube com atividades no futebol profissional. Por isso, pôde pleitear o reconhecimento na Ferj, decidido em uma assembleia no final do ano, após aprovação unânime.
Para os outros clubes, a situação é mais difícil, pois nenhum está filiado à federação, alguns mantém atividades apenas sociais, ou mesmo estão extintos. São eles: Engenho de Dentro (campeão em 1925); Modesto, de Quintino (1926 e 1927); SC América, do Lins de Vasconcelos (1928 e 1929); Sportivo Santa Cruz (1930); Oriente, de Santa Cruz (1931) e SC Boa Vista, do Alto da Boa Vista (1932).
Como a Ferj é uma instituição privada, que não reconheceria esses títulos por benfeitoria, nasceu uma moção na Câmara dos Vereadores do Rio, que tramita desde dezembro de 2022, de autoria do hoje deputado federal Tarcísio Motta (PSOL). Caso ela seja aprovada, os "campeões esquecidos" ganhariam uma força adicional para abrir o processo oficial na federação, mas sem garantia de sucesso.
O clube mais bem representado atualmente é o Engenho de Dentro (EDAC), que sobrevive no futsal. O chamado "Fantasma Suburbano" ressurgiu em 2020, graças ao trabalho do historiador Allan da Silva, apaixonado pelo bairro que começou a se aprofundar nas pesquisas. Após dez títulos vencidos em 12 finais nos 12 torneios disputados desde o retorno às quadras, ele é um entusiasta de que o reconhecimento não apenas faria jus à história da instituição, mas poderia ajudar a devolvê-la aos gramados.
— O EDAC esteve no triangular final de 1924, em que o Vasco foi campeão, inclusive com quatro jogadores que eram do EDAC, como o goleiro Nelson Conceição. O subúrbio precisa dos títulos para ser visto. Vários jogadores que foram campeões em outros clubes tiveram sua origem aqui — aponta Allan ao GLOBO. — O reconhecimento ajudaria muito com visibilidade e atrairia patrocinadores. Não estamos na Ferj, mas a intenção é tentar voltar a disputar o Carioca de futsal da federação, ou até a de campo — admitiu.
Exthyntos
Ele é mais um caso de um apaixonado pelo futebol que não mede esforços para que a história do futebol carioca seja recontada, apesar de não terem legitimidade jurídica para brigar oficialmente. Ao lado de André, que fez o trabalho para que o São Cristóvão tivesse êxito, o grupo chamado "Exthyntos Social Clube" — na ortografia clássica da língua portuguesa — representa os outros clubes.
Entre os nomes envolvidos, estão o de Kleber Monteiro, biólogo que pesquisa sobre futebol e foi responsável por promover a moção na Câmara, e Luciano Vincler, autor do portal "Futebol no Rio" e do livro "Os Esquecidos", que ajudou a embasar o processo.
A inspiração vem de São Paulo, onde a Federação Paulista homologou 104 títulos esquecidos ao final de 2021, de várias divisões, incluindo de muitos clubes extintos. Inclusive, os cariocas tentam incluir dois títulos do segundo nível, o do GE Viação Excelsior (1933) e do EC São José, de Magalhães Bastos (1934), quando a LMDT se tornou uma sub-liga, antes de ser extinta no ano seguinte.
Isso ajudaria a dar ainda mais legitimidade a uma organização que, apesar de suburbana e não-oficial, tinha sua hierarquia. O título do São Cristóvão já foi considerado impossível, mas hoje está homologado. Os envolvidos projetam que o requerimento oficial possa sair esse ano, e ajudar os "campeões esquecidos" a colocarem seu nome oficialmente na história, quase um século depois.
OBS : Quem fez todo o processo de pesquisa, lançando livro, e montando o dossiê que foi entregue a Celso Roberto e o Presidente Emanuel,foi o historiador Raymundo Quadros.
fonte : O Globo
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