sexta-feira, 31 de julho de 2020

Pavuna e os portos da região

Você sabia que na Pavuna haviam Portos? Já pensou navegar da Pavuna até o Rio Guandu na Zona Oeste?


Neste texto falaremos da importância do Rio Meriti, do Rio Pavuna e seu trecho que virou canal, de um surpreendente projeto da época dos jesuítas, visando ligar a região até o Rio Guandu, além dos seus importantes portos, estradas e arredores. 

Foram rios preponderantes no desenvolvimento do Arraial de Nossa Senhora do Desterro da Pavuna (atual Pavuna) e da Freguesia de São João Baptista de Trairaponga, posterior São João Baptista do Mirity (atual São João de Meriti) e como um desemboca no outro, falaremos de ambos.


Através destes rios, a região de grande importância no passado, hoje esquecida, era servida por quatorze portos, de engenhos e fazendas localizados entre o Rio Pavuna e o Sarapuí. O principal se localizava onde hoje é a Estação da Pavuna. Haviam também mais três portos no Rio Meriti. Por eles os fazendeiros locais escoavam os produtos dos engenhos e da lavoura para outros mercados, principalmente o do Rio de Janeiro. Produtos como açúcar, aguardente, feijão, mandioca, arroz, milho e etc. Também eram utilizados por tropeiros e viajantes através das importantes estradas que serviam a região em seus dias de glória, sendo local estratégico e importante entreposto comercial. Dessas estradas falaremos mais adiante neste texto.

Tamanha importância de ambos os rios, achou-se necessário que parte do Rio Pavuna fosse melhorado. Então foi construído o CANAL DA PAVUNA, que possibilitava a navegação de embarcações de maior calado. Até então o Rio Pavuna só era navegado por barcaças de fundo chato (conhecidas como fundo de prato), chamadas chalanas.


Dom Pedro I, convencido pelo minsitro José Inácio Burles, encarregou das obras o marechal Francisco Cordeiro da Silva Torres de Souza Melo e Alvim, o Visconde de Jurumirim, acessorado pelo major Antônio João Rangel de Vasconcellos, filho da Freguesia de Irajá . A obra iniciou-se em 1827, paralisada em 1829, sendo somente uma parte concluída. A partir daí tomou as rédeas o Comendador Antônio Tavares Guerra (normalmente confundem com o seu irmão, o também poderoso Comendador Luiz Tavares Guerra, financista e negociante de café, residente em Petrópolis), importante fazendeiro e benfeitor local, além do negociante de café Antonio da Silveira Caldeira, pois possuíam trapiches e estabelecimentos comerciais no Arraial da Pavuna, onde hoje é o metrô da Pavuna, onde ficava o principal porto da região (VER IMAGEM EM ANEXO). Iniciaram com recursos próprios, gastando a fortuna de 40 contos de réis, posteriormente ressarcidos pela Junta do Commercio e pelo governo. 

É de se espantar, mas o projeto inicial do Visconde de Jurumirim previa que o CANAL DA PAVUNA ligasse a região ao RIO GUANDU, bem longe, lá nas imediações de Santa Cruz e Itaguaí. Algo surpreendente até para os dias de hoje! Tinham como base um projeto antigo da época dos jesuítas da Fazenda de Santa Cruz. Consegui ter acesso a dois mapas antigos do traçado do surpreendente projeto (VER IMAGENS ANEXAS), sendo um versão contornando o Macico do Gericinó pelo sul e outra pelo norte, até atingir o Guandu. Com os altos custos da obra, o corpo legislativo chegou a destinar mais de 100 contos de réis para alcançar o objetivo inicial, porém em vão, pois estimou-se gastar mais de 1.200 contos de réis, uma quantia sem precedentes. Entenderam que os custos da obra seriam maioires que os benefícios dela. Gastos e mais gastos fizeram com que o canal servisse somente a região, num percurso de apenas uma légua. Vale frisar que o visionário e antigo projeto dos jesuítas, almejava o transporte dos produtos vindo da Zona Oeste, que na época vinham por terra até o Porto Velho de Irajá (aterrado na foz do Rio Meriti, no atual trevo das Missões da Rod. Whashington Luiz) e as caixarias de pequeno porte através do Porto de Irajá (no Rio Irajá, altura da atual Rua Antenor Navarro de Brás de Pina). Acredite, mas todas as mercadorias da lavoura desde Guaratiba até Irajá eram escoadas por esses portos. O canal transformaria esse transporte 100% aquático. Mas além disso, os jesuítas tinham como outro objetivo escoar as águas dos charcos da região de Santa Cruz, principalmente os charcos de São João Grande e São João Pequeno. A fazenda jesuítica já contava com um importante e inteligente sistema de escoamento e drenagem de charcos e pântanos, através da abertura de diversas valas e canais, alguns com longa distância de vários kilometros, que existem até hoje, sendo conhecidos rios da região. O projeto do Canal da Pavuna seria o mais audacioso de todos, ligando a Zona Oeste a Baía de Guanabara. Os jesuítas foram expulsos pelo Marques de Pombal em 1759 e não se tem notícia do início da abertura do canal. Já o novo projeto do século seguinte, pelas mãos de Dom Pedro I, segundo Milliet de Saint-Adolphe em seu Dicionário Geográfico esclarece "Haverá 10 annos que se começou a abrir um canal entre o Rio Guandu e o Pavuna (...) mas esse trabalho foi interrompido em 1841...".


A necessidade e importância de tal obra, mesmo concluída somente a nível local da região da Pavuna, também se deu pelo fato de que a navegação se tornou dificultosa, atrasando diretamente o desenvolvimento da região, tornando-a também insalubre, aumentando o risco de epidêmias. Essa era a realidade de alguns trechos dos Rios Meriti e pricipalmente Pavuna antes da obra. O viajante naturalista francês Auguste de Saint-Hilaire (em Viagem pelas províncias do Rio de Janeiro e Minas Gerais), que passou pela região antes da abertura do canal, testifica tal precariedade:

"...depois de ter abandonado a Ilha do Governador, rumou pela foz do rio Meriti. Na parte que subiu o referido rio, o seu curso era apenas sensível. Suas águas eram salobras. Atravessavam terras baixas, pantanosas. Essas terras alagadiças eram inteiramente cobertas de árvores aquáticas. Ninguém pensava em aproveitá-las. Mas, para o futuro, com o crescimento do Rio de Janeiro, a região teria que se desenvolver..." 



Auguste Saint-Hilaire também relata que o Rio Meriti oferecia um meio comodo dos agricultores locais transportarem seus gêneros alimentícios para a cidade. Essa utilidade, bem como a natureza pantanosa dos rios também foi relatada pelo geógrafo francês Louis Claude de Saulces Freycinet (em Voyage autour du monde), que também navegou na região na época.

Abro aqui um parênteses: Não bastasse a natureza razoavelmente pantanosa da região, é importante lembrar que devido a exploração predatória das terras, com a devastação da vegetação local para uso de lenha e posterior utilização das áreas abertas para plantações, principalmente da cana de açúcar, o solo das regiões que hoje compreendem a Baixada Fluminense e algumas partes do atual Subúrbio se tornaram mais frágeis. A firmeza do solo gerada pelas raízes das árvores e pela vegetação local foi perdida. Com as chuvas os detritos do solo eram lançados no fundo dos rios e canais locais, ocasionando assoreamento. Chegadas as chuvas de verão, vinha com elas as inundações, as perda de plantações e surgimento de epidêmias. Esse era o cenário de grande parte da atual Baixada Fluminense desde o período colonial.

Há muita controvérsia sobre a origem dos nomes de ambos oa rios. Em documentos muito antigos, o Dr. Macedo Soares nos diz que Meriti origina-se de "mbiritib", que significa "o rio dos mosquitinhos". Segundo outros historiadores dos séculos anteriores, Pavuna não se origina de uma tribo como corre certa versão, mas sim um nome indígena genérico dado a várias localidades, originado de "upabuna", que significa "lagoa escura" ou "tudo preto" como descreveu Frei Agostinho de Santa Maria no jurássico Santuário Mariano. Por isso, várias localidades do Rio de Janeiro foram chamadas de Pavuna, como a antiga e extinta Lagoa da Pavuna pra bandas do Centro e o Engenho da Pavuna (e outro rio pavuna) na atual Taquara.  

Sobre o Rio Meriti, em documentos também muito antigos, do século XVII, haviam duas desgninações, o Meriti Salgado e o Meriti Doce. No século XIX essas designações já eram desconhecidas. O Meriti Salgado era o trecho que ia desde a foz do Rio Meriti, na antiga Freguesia de N. S. da Apresentação do Irajá (foz aterrada, onde hoje é o Trevo das Missões, no início da Rod. Washington Luiz), até o trecho que no passado era chamado de Três Barras (altura da atual Ponte Verde, nos fundos do atual bairro de Jardim América, divisa com Comunidade da Ficap, que fica no início da Pavuna). Nas Três Barras o Rio Pavuna desemboca no Rio Meriti. "Salgado" por que em maré montante e preamar as águas da Baía de Guanabara alcançavam essa região, entrando também pelo Canal da Pavuna e chegava até o trapiche do Comendador Antonio Tavares Guerra. Eu acredito que esse é motivo de drásticas inundações que ocorrem até hoje, a cada intervalo de décadas, como no caso do Jardim América e parte da Pavuna, mesmo após a retificação, saneamento e desassoriamento desses rios. Na maré montante, as águas não tem pra onde escoar e transbordam. Inclusive em relatos antigos, há narrativas que a água do Meriti vazava para a boa parte da região do atual Jardim América, na época fundos do Engenho de N. S. da Graça (Engenho do Vigário Geral) que chegou a ser um pântano e ainda hoje, tem um solo muito úmido, que ocasiona infiltrações no térreo de suas contruções. Também por isso, que até hoje em algumas épocas, podem ser vistas aves marinhas pegando peixes, tanto nos Rios Acari, dos Cachorros, Meriti e Pavuna. Esta parte do Rio Meriti foi retificada, substituíram os mendros por um canal em linha reta, que desemboca hoje em local distante da foz original. Já o Meriti Doce era a parte que partia das Três Barras até o alto curso, lá pros arredores da Zona Oeste, onde nascia. Esse trecho "doce" também foi todo alterado, retificado em linha reta, e se chama Rio Acari atualmente. O Rio Acari original era um dos muitos pequenos rios que desembocavam no Rio Meriti original. 



Já o Rio Pavuna, que nascia dos charcos da serra do Gericinó, na Fazenda do Retiro, era estreito e de péssima navegação no alto curso, porém a partir da região do Engenho do Cabral e do Engenho de São Matheus (ambos na atual Nilópolis) se tornava de dificultosa, mas possível navegação, que ia melhorando onde hoje situa-se o seu trecho que agora é chamado de Rio do Pau, na divisa da atual Anchieta com Nilópolis, no local chamado hoje de Ponte Azul. As mercadorias navegavam por esse trecho, até chegar a um importante centro comercial esquecido pela historiografia, onde hoje é o metrô da Pavuna. Alí ficavam os trapiches do Comendador Antonio Tavares Guerra e a partir dalí, após a conclusão do Canal da Pavuna, a navegação já podia ser feita por embarcações de grande porte, como o vapor União, da companhia Niterohy e Inhomerin. Acredite, mas era um entreposto comercial, repleto de trapiches. 

O Porto da Pavuna não era um local qualquer. Inclusive o imperador Dom Pedro II instalou a original "Bica da Mulata", tamanha sua importância. Em muitas épocas a água da região se tornava salobra, devido a maré e as bicas instaladas em locais importantes da cidade serviam para abastecer a população. A obra de arte foi uma das peças do francês Jean Jacques Pradier, encomendadas da fundição Val D'Osne e que havia uma peça gêmea, que ficou no reservatório do Guandu até os anos 70, depois foi transferida para o Largo do Humaitá e era chamada de "harmônia". A da Pavuna recebeu esse apelido "da mulata" devido a oxidação da peça. Após quase um século, a peça sumiu nas obras do metrô e só foi encontrada em um depósito da prefeitura do Rio por volta dos anos 90, foi quando em 1995 foi cedida ao município de Belford Roxo, onde se encontra até hoje. Em 2002 foi colocada uma réplica na Pavuna, que foi furtada em 2014. Fazendo-se necessário reinstalar outra réplica. Lembrando que Dom Pedro II trouxe 182 esculturas francesas, de diversos moldes, para o Brasil.


Falando em Dom Pedro II, após os meados do século XIX, o CANAL DA PAVUNA já estava bem degradado, assoreado, tomado por vegetação e obstruído em alguns trechos, devido a pouca manutenção empregada. A mão de obra escrava havia sido atingida pela cólera mórbus em 1855. O Engenho de São Matheus (atual Nilópolis), foi o local mais atingido pela peste, que segundo relatório do acadêmico de medicina Luis de Queiros Matoso Maia, teve em 15 dias um total de 338 casos e 121 mortes. Desta forma a região entrou em grande declínio por muitos anos, sem braço para trabalho da lavoura e manutenção dos rios. Até que em 1886 os proprietários rurais locais começam um movimento para reabertura do canal. Nessa ocasião foi realizada uma grande festa na região, recebendo o imortal José do Patrocínio, que apadrinhou a causa. Os grandes proprietários da região compareceram a festa, como o Capitão Salustiano, que abrigou José do Patrocínio em sua fazenda. Este que doou a grande quantia de 30 contos para a construção da igreja local e intercedeu junto a Princesa Isabel, que doou pia batismal e diversos castiçais. As novas obras do CANAL DA PAVUNA foram concluídas e a navegação restabelecida.

Como falado inicialmente, os portos locais tinham como propósito principal escoar os gêneros alimentícios que supriam a corte. Mas também serviam aos tropeiros vindos das Minas Gerais, das imediações de Vassouras e etc, que chegavam através das importantíssimas estradas que serviam a região. Infelizmente esses importantes caminhos, assim como toda a história local, foram totalmente esquecidos.  

Para entender a impotância da região, é necessário relembrar essas vias. Foram elas:


- CAMINHO DE TERRA FIRME: De 1750, também chamado de Estrada de Minas ou Caminho Novo do Tinguá, feito pelo Mestre de Campo Estevão Pinto. Esse caminho se tornou uma alternativa ao Caminho Novo do Pilar (de Garcia Rodrigues Paes Leme) e ao Caminho Novo do Inhomirim (de Bernardo Soares de Proença) que eram mais antigos. Ao contrário desses dois, o Caminho de Terra Firme poderia ser percorrido facilmente por montaria a cavalo e carros de boi, enquanto os demais que cortavam a serra do mar, pelas mais penosas picadas, eram percorridos preferencialmente por muares. Além disso, alguns viajantes que iam e viam das Minas Gerais evitavam navegar pelos sinuosos e cansativos rios iguassú, pilar e inhomirim, antes de seguirem pelos dois caminhos mais antigos. O Caminho de Terra Firme também desviava das regiões pantanosas da baixada fluminense e seguia por regiões planas e por ele haviam algumas pontes que evitavam enfrentar rios e riachos. Esse caminho da época do ouro saía do Rio de Janeiro e passava por uma parte da Pavuna, depois seguia pelos engenhos de São Matheus (Nilópolis), da Cachoeira (Mesquita), Maxambomba (Nova Iguaçú), Belém (Japeri), contornava a serra do Tinguá, subindo a serra pelas atuais Paulo de Frontin, Sacra Família do Tinguá e Morro Azul, até se encontrar com o Caminho Novo de Garcia Paes na roça do capitão Marco da Costa, entre Miguel Pereira e Paty do Alferes, de onde seguia para Minas Gerais. Em boa parte desse caminho foram depois assentados os trilhos da E. F. Central do Brasil.

- ESTRADA DA POLÍCIA: Aberta em 1817 pelo intendente de polícia Paulo Fernandes Vianna. Iniciava no Rio Pavuna e foi construída com a intenção de ligar a capital ao sul da província de Minas Gerais e passando pelo vale do paraíba, chegava até Vianna, em Valença. O Barão de Vassouras afirmou que era "única fonte de vida e prosperidade" da região, tamanha sua importância na época do café.

- ESTRADA PRESIDENTE PEDREIRA: De 1850, foi costruída pelo presidente da província Luís Pedreira do Couto Ferraz, o Visconde de Bom Retiro. Iniciava-se também na Pavuna e seguia traçado praticamente paralelo as citadas anteriormente, passava por Macacos (Paracambi), Santa Cruz dos Mendes (Mendes), seguia até Ipiabas e finalizava em Santa Isabel do Rio Preto, na divisa com Minas Gerais. Era a única 100% carroçavel na época do café.

- ESTRADA DOS FAZENDEIROS: De 1840, ligava o Porto da Pavuna a Dores, em Piraí. 

Essas estradas eram praticamente paralelas, seguindo a mesma direção, porém passando por regiões diferentes. Cada uma teve a sua importância em sua época. Lembrando também que a Pavuna também era servida pela importantíssima Estrada (Velha) da Pavuna, posterior Automóvel Club, essa que costuma ser mais lembrada pela história. Na Pavuna também havia uma barreira fiscal.

Além dessas também haviam estradas mais locais, como:

- Estrada de São Matheus, que partia do Engenho de São Matheus (atual Nilópolis), passava por Thomazinho, pela Estação de São Matheus (já em São João de Meriti) e chegava ao Canal Pavuna. É o trecho das atuais Avenidas Presidente Tranquedo Neves e Doutor Arruda Negreiros.

- Estrada do Engenho Novo, que partia da atual Anchieta até o Canal da Pavuna. O trecho inicial permanece com o mesmo nome, o restante foi chamado posteriormente de Estrada Rio do Pau, que é a atual Av. Crisóstomo Pimentel.

- Estrada da Conceição, que era paralela ao Canal Pavuna, nas imediações da Fazenda de Nossa Senhora da Conceição da Pavuna, propriedade da família Tavares Guerra. É o trecho da atual Rua Mercúrio, que continua como Av. Cononel Phidias Thávora, terminando na divisa da Pavuna com o bairro Jardim América, no local chamado favela da Ficap, perto de onde tem uma ponte metálica sobre a ligação do atual Rio Acari com o Pavuna e Meriti. Apesar das inúmeras retificações dos rios, esse local era chamado de Três Barras (ou Três Rios) pois na época era onde se encontravam os Rios Pavuna, Meriti e São João de Meriti, pois por algum tempo o trecho final, desse ponto até a foz, era chamado de Rio São João de Meriti, conforme alguns mapas e documentos antigos. 

Já que estamos falando do Rio Meriti, sem querer fugir do título inicial, não podemos deixar de falar da região onde ficava sua foz ORIGINAL, pois desaguava onde é o atual Trevo das Missões (atual Cordovil) e o trevo da Linha Vermelha no início da Rodovia Washington Luiz. Hoje tudo aterrado, mas na localidade havia a Pedra do Lagarto, a Ilha de Saravatá e o famoso e importante Porto Velho de Irajá, por onde se chegava através da Estrada do Porto Velho, ainda existente e que passa embaixo da Cidade Alta. Porto "de Irajá" pois na época toda essa região do lado sul dos Rios Pavuna e Meriti pertencia a Freguesia de Nossa Senhora da Apresentação de Irajá. Foi tudo aterrado para as obras da Rod. Whashigton Luiz, Avenida Brasil e etc. A foz do Rio Meriti foi parar após a linha vermelha, em Duque de Caxias. O trecho final original do Rio Meriti (baixo curso) serio o trecho que ficou represado nos fundos das Favelas de Parada de Lucas e Vigário Geral, onde nas margens do rio havia o antiguíssimo Engenho de N. S. da Graça (Engenho do Vigário Geral). Por isso, em frente a esse engenho, já no final do século XIX, estabeleceu-se a Estação denominada de "Velho Engenho", hoje Estação de Vigário Geral. Desse antigo engenho partia a Estrada do Vigário Geral, que era o caminho percorrido pelo mesmo até a Igreja de Nossa Senhora da Apresentação, em Irajá. Essa estrada foi dividida pela construção da Avenida Brasil e seu trecho final hoje se chama Av. Hanibal Porto. Do outro lado da foz, seguia-se mais um pouco em direção a antiga Praia da Chacrinha em Duque de Caxias, e se chegava ao local da Freguesia de São João Baptista de Trairaponga, que é a origem de São João de Meriti, onde hoje é o Parque Duque, em Duque de Caxias. 

A intenção era falar somente do Pavuna e Meriti, porém com tamanha riqueza de informações não podemos deixar de falar um pouco dos arredores. Lembrando que o Arraial da Pavuna pertencia a Freguesia de Irajá, porém era praticamente um só com a Freguesia de São João Baptista do Meriti. Por isso, essa região foi alvo de uma grande e longa batalha referente as suas terras e fronteiras.

Voltando ao RIO e posterior CANAL DA PAVUNA, servia a quatorze portos locais. Já o RIO MERITI, possuía três portos. Foram utilizados por diversas propriedades locais, que ficavam nas terras das atuais Pavuna, São João de Meriti, Nilópolis e Duque de Caxias.

Nos séculos passados, algumas dessas propriedades eram:

- Engenho do Porto (do porto da freguesia de São João Baptista do Merity), propriedade do tenente Manoel Mis dos Santos. Esse engenho dá nome ao atual bairro Engenho do Porto, que hoje faz parte de Duque de Caxias. Era um dos quatorze portos entre a região dos Rios Pavuna e Meriti e Sarapuí. 
- Engenho de N. S. do Desterro da Pavuna, de Inácio Rodrigues da Silva, depois vendido ao Visconde de Bonfim.
- Engenho de N. S. da Ajuda, de Francisco Mis.
- Engenho da Covanca, de Marcelino Costa Barros, que depois foi do Conselheiro Alves Carneiro.
- Engenho do Barbosa, do capitão mór Domingos Viana, depois vendido ao famoso Comendador Telles (atual Vilar dos Teles).
- Engenho Velho, do sargento mór José Dias de Oliveira.
- Engenho da Pedra, do padre José Rodrigues.
- Engenho de São Matheus, nessa época pertencente ao alferes Ambrosio de Souza, vendido ao Barão de Mesquita (atual Nilópolis).
- Engenho de Gericinó, de Dona Maria de Andrade, depois de Idelfonso Caldeira Brant, o Visconde de Gericinó, descendente de D. João III (Duque de Brabante).
- Engenho do Capitão Manoel Cabral de Mello (atual bairro Cabral de Nilópolis).
- Engenho da Água em Gericinó, também do Capitão Manoel Cabral de Mello.
- Engenho de Antonio Rocha Rosa.
- Engenho da Valla, de Catarina Maria Mendonça.
- Engenho de João Pereira Lemos.
- Engenho da Chacará, de Inácio Roiz.
- Engenho do Bananal, do capitão Ayres Pinto, ascendente dos poderosos Teixeira Pinto de São Paulo (atual Engenheiro Belfort).
- Engenho do capitão João Pereira de Lima Gramacho.
- Engenho do mestre de campo Bartolomeu José Bahia.
- Engenho de Pedro Alvares Roiz.
- Engenho do Pau Ferro, de Francisco Pupo Correa.
- Fazenda de N. S. da Conceição da Pavuna, da família Tavares Guerra.
- Engenho do Carrapato, que chegou a ser  também do Comendador Tavares Guerra.

O Rio e Canal da Pavuna, além do Rio Meriti, também serviam a algumas propriedades da Freguesia de Irajá, que ficavam na margem direita de ambos, como os engenhos de Nazareth, do Botafogo, do Máximo, de José Luiz da Motta (avô do conde de Motta Maia) e o de N. S. da Graça (Vigário Geral), entre muitos outros que existiram durante esse período, como o jurássico Engenho de João Velho, do século XVII, que era uma grande propriedade de João Velho Barreto e sua esposa Maria Tourinho Maciel.

Essa relação tem como objetivo ressaltar que a região abrigou propriedades de muitos ilustres e poderosos de sua época!

A localidade teve seu apogeu, sua importância e prosperidade. Contudo, a memória do subúrbio e da baixada são sempre renegadas e desconhecida até dos próprios moradores!

Infelizmente os diversos portos da região desapareceram com o tempo e com as obras de saneamento dos rios, que foram retificados, tendo seus cursos originais alterados.

Essa é a rica história da região! Perdoem o textão!

*Texto e pesquisa de minha autoria: Hugo Delphim.

*Além das fontes já citadas no texto, segue demais fontes de pesquisa: Artigos do Dr. José Vieira Fazenda na Revista do Insitututo Histórico, Memórias da Fundação de Iguassú de José Matoso Maia Forte, Os Caminhos Antigos do Território Fluminense de Adriano Novaes e Memórias Históricas de São João de Meriti de Arlindo de Medeiros. Imagens e mapas antigos: Biblioteca Nacional, Arquivo Nacional e diversos jornais e periódicos dos séculos XIX e XX.

terça-feira, 28 de julho de 2020

UM CAMPEONATO NO SUBÚRBIO – AS MOTOS RONCAM EM ALTA VELOCIDADE





 

E se eu falasse para meus queridos leitores que as ruas do subúrbio já serviram de pista para uma corrida de moto? O campeonato de Turismo foi realizado em 1919, e ocorreu em algumas regiões da zona norte da cidade. Vamos ver o que e como aconteceu esse fato...

A reportagem será descrita conforme o português da época.

“Realizou-se no dia 30 de Março com um grandioso e inesperado brilhantismo, a disputa do 1   (primeiro) Campeonato de Turismo, organizado pelo Club Motocyclista Nacional, uma das mais importantes sociedades brasileira de motocyclismo.

O enorme êxito, o grande sucesso alcançado com esta última corrida do C.M. foi uma prova incontestável do seu valor, pois é um dos clubs que tem conseguido aqui no Brazil arrancar aplausos dos admiradores do motocyclismo e levar a effeito verdadeiras corridas de motocycletas que despertam o máximo enthusiamos, dando nome aos motocyclistas e motocycletas vencedoras.

No entanto, o tempo parece que temeu semelhante resolução, motivo este por que a manhã do dia da importante prova estava bella e prateada por um sol majestoso, por um sol brasileiro.”




 

Inicialmente o campeonato foi marcado para o dia 23 de março, porém nesse dia, caiu uma chuva torrencial na cidade e impediu que o campeonato prosseguisse. Em reunião com pilotos e diretoria, foi remarcado para o dia 30, pois daria tempo de ficar bom e o chão secar, já que passariam por regiões que se formavam pistas com muitos quilômetros de lama.


O dia chegou , o povo se reunia feliz e em grande aglomeração , várias regiões da cidade festejavam o campeonato, uma corrida que foi amplamente divulgada e que atraiu milhares de curiosos. As 8 e pouco , de um dia ensolarado e lindo  as motos se aliaram em frente a Praia Pequena, foi chamado por ordem os pilotos que participariam da corrida:

1-Delico de Aguiar: Motosacoche

2-Mario Bianchi: Henderson

3-José A. Reis : Henderson

4-José Kistemann- Indian

5-Diogo Santos- Indian

6-Mario Vasconcelos- Indian

7-Jorge Guimarães: Motosacoche

8-Socrates Floriano Peixoto: Motosacoche

9-Melandri Patier: Harley

Os diretores estavam aliando os concorrentes, três campeões das motos concorriam ao troféu – o periódico não descreve quem eram os mesmos- as bancas de apostas apostavam para as motos Henderson pela sua potência e por que eram conhecidas como as melhores motos da época. Alguns apostavam que as motos não aguentariam os terrenos que enfrentariam, já a Indian estaria mais preparada para o tipo de terreno.


Os concorrentes pousam para as fotos e um dos diretores passam as últimas instruções. A revista AUTO-PROPULSÃO colocou a disposição vários fotógrafos para registar esse maravilhoso evento.



De Bonsucesso a Penha, a estrada estava péssima (Rua Uranos), tinha areia, pedra, lama, cascalho, etc, tudo para dificultar a passagem das motos. Os corredores desceram pela Penha, passando por Braz de Pinna- onde as estradas melhoraram bastante- numa disputa emocionantes, todos juntos e ninguém conseguia se desgrudar muito, mas damos destaque Jorge, Delcio e Bianchi que estavam disputando os primeiros lugares. As estradas eram tão ruins que teve relatos de Délcio atolado em um metro de lama.

Depois de Braz de Pina, se encaminharam a Vicente de Carvalho, a estrada de frente a estação do trem estava maravilhosa, ótima para a pratica do esporte e foi ali que a disputa apertou de vez. Em grande velocidade, se dirigiram até o Engenho do Mato. Dali a Pilares eles reduziram a velocidade devido a estrada está em más condições. De Pilares a fazenda Capão do Bispo, as acrobacias rolavam soltas devido as ondulações da Pista. De Del Castilho ao ponto final na Praia Pequena, a estrada permitiu as motos a chegarem a 120 km/h.




Quando os espectadores viram Bianchi chegando e olharam para o relógio, viram que ele completou a primeira volta em 29 minutos, algo inimaginável para todos. Após Bianchi, passou Kistemann e José Reis.

A banca de apostas mudou e Bianchi e Kistemann tomaram a dianteira da possibilidade de levar o caneco. A segunda volta manteve as colocações da primeira volta, sem surpresas. Bianchi e Kistemann dividiam a liderança durante toda a segunda volta e a melhor batalha aconteceu em Vicente de Carvalho.

Mas uma surpresa aconteceu no final: Com o corpo cheio de Lama, moto toda suja e nas últimas e para a surpresa de todos, José Reis em um determinado trecho em Pilares passou os dois e assumiu a liderança, duas voltas, quarenta quilômetros em menos de uma hora e 2 minutos. Logo atrás chegou Bianchi e em terceiro Kistemann.






O povo surpreso e em delírio pega José Reis nos braços e comemora a vitória inesperada.

COLOCAÇÃO FINAL

1-      José Reis : 1 h 2 m.

2-      Bianchi: 1h 2m 9 seg.

3-      Kistemann: 1h 6 min.

4-      Vasconcelos: 1h 10 min.

5-      Floriano : sem tempo marcado

Os outros competidores abandonaram a competição e não registraram tempo.

 

 

 

quarta-feira, 8 de julho de 2020

ILHA DA POMBEBA: A ILHA QUE NASCEU SUJA!

 


O que mais o subúrbio tem (ou teve) é ilha e praia. Se eu for enumerar as praias e ilhas, ficaria aqui escrevendo o dia todo, mas minha intenção é mostrar a todos os leitores que precisamos resgatar a história suburbana, precisamos tecer essa concha de retalhos e montar um lençol histórico mostrando o que vivemos e o que perdemos.

Relatos de antigos (história oral) é uma fonte belíssima (claro que realizando a devida análise) de informações de o que perdemos em nome de um tal progresso. A Avenida Brasil, a favelização e a falta de preservação do poder público contribuíram para que perdêssemos nossa flora, fauna e geografia privilegiada.

Diversas pesquisas sobre as praias e as ilhas estão todos os dias explodindo pelas academias e pelas redes sociais. Estamos a cada dia descobrindo um “novo Rio de Janeiro”, ou seria um Rio esquecido? O compromisso de todos que pesquisamos o subúrbio é trazer até você leitor, tudo que desapareceu dos nossos olhos e está esquecido na nossa história.





 Os campeonatos de remo realizados na Ponta do Caju tinham como fundo a ilha de Pombeba. Conhecida como a “ilha dos urubus”, é uma ilha artificial (6contestável), formada a partir de dejetos de matérias de drenagem das obras do Porto do Caju. No local a natureza se refez, nasceu um bosque e no local atualmente possuí inúmeros pássaros e animais. O mais interessante que a ilha tem CEP próprio que é 21180-070. Infelizmente a ilha acumula muita sujeira e lixo por todos os lados. Seu tamanho atual é de 9.800 metros quadrados.



Como a ilha nasceu para despejo de sujeira, ela nada mais é que um reduto de doenças. A população do Caju reclamava isso já em 1918, onde o periódico “A Rua” mostra uma reportagem completa sobre isso.

A ilha durante anos foi usada por uma empresa como depósito de carvão e produção de gás. A Belmiro Rodrigues & Cia. Foi uma empresa grande e que durante anos manteve a ilha como depósito e ajudou a despejar produtos químicos em volta da ilha.





Antes da Baía de Guanabara virar um grande depósito de lixo a céu aberto, era comum pequenos barcos fazerem transportes por dentro dela. Pessoas pegavam barcos na Praça XV para ir para Maria Angú, Porto de Inhaúma e tanto outros lugares. Um dos itinerários dessas embarcações passava justamente em frente a ilha, já que a ponta do Caju era usada como parada de barcos.

De onde vem esse nome Pombeba? Segundo especialistas a palavra tem alguns significados como: “ A mão chata”, “A fibra”, “Cipó chato”. O que me faz pensar que existia um pequeno pedaço de terra. Uma reportagem de 1865 aponta um leilão de uma ilha de mesmo nome no Caju e que nela existia uma pequena fábrica de sabão, ou seja, ela não é artificial, ela tinha uma pequena parte em terra e foi aumentada devido a detritos das obras do porto. A ilha teve seu nome oficializado em 1965, no governo Lacerda.



A ILHA QUER SER COMPRADA- BROCOIÓ


 

Se a ilha fosse uma cidade, seria mais velha que o Rio de Janeiro. Local de residência de veraneio do Governador do Estado, atualmente a ilha se encontra abandonada e não se tem notícias que conseguiu vender. Com a crise do governo, o velho casarão luta contra o tempo e a maresia.

A ilha faz parte do arquipélago de Paquetá, onde outras 14 ilhas fazem parte, ficando na parte noroeste da ilha mãe, á exatos 300 metros de distância e não está aberto a visitação.

Quem descobriu a ilha foi a expedição francesa comandada por Villegagnon em 1555 e inclusive foi sua última morada antes de voltar para a França. Ela ficou abandonada durante alguns anos, sendo usada apenas para local de parada de embarcações.

No século XIX, DR. Thomaz Pinto se estabeleceu na ilha e ali abriu uma fábrica de Cal, ficando ali uns anos e conseguindo se estabelecer de tal forma que mandou trazer toda sua família.





Tempos depois, a ilha passou a pertencer a Senhora Maria Albertina Saraiva de Souza, condessa de São Tiago de Lobão do “Rio de Janeiro City Improvements.” Para quem se pergunta que empresa é essa: A The Rio de Janeiro City Improvements Company Limited era uma empresa que ficou responsável pelo esgoto da cidade a partir de 1857 com capitais estrangeiros (ingleses).A The Rio de Janeiro City Improvements Company Limited, conhecida depois como City, para a qual o contrato de Russel e Lima Junior foi transferido, em maio de 1863; Essa empresa mais tarde se transformaria na nossa CEDAE.





Essa empresa teve inúmeros problemas com o governo carioca, constantemente era comum ver reportagens sobre brigas judiciais com o governo municial. Usando como exemplo, no ano de 1919, ouve uma crise do carvão na cidade do Rio, e a empresa queria devastar a ilha e outros locais, derrubando árvores para produzir carvão. Essa briga chegou até o Supremo. A prefeitura alegando que a empresa não pagaria os impostos e que também faria um desmate sem precedentes. O supremo deu razão a prefeitura.

Nos anos de 1930, a ilha foi comprada por Octávio Guinle, que a urbanizou, aumentou seu tamanho. Sua casa foi construída em estilo Normando e o projeto foi feito pelo arquiteto Joseph Gire, o mesmo que fez o Copacabana Palace. Nos primeiros anos da ilha, as festas se tornaram lendários, muitos dos ricos cariocas participavam das festas que “varavam” a noite e acabavam dentro de seus luxuosos barcos. Era comum ver mulheres de políticos fazerem pic-nics finais de semana. A ilha era descrita como a mais bela de todas com árvores centenárias , galinhas, marrecos e frutas para todos os lados.





Após o óbito de sua mãe em 1936, o então presidente do Brasil, Getúlio Vargas passou alguns dias na ilha com sua esposa, para descansar a mente e se retirar em sinal de respeito a sua mamãe. Um detalhe importante são reportagem a partir dos anos de 1938 relatando o abandono da ilha, sabemos que ouve uma crise financeira por parte da família e talvez a ilha ficou com um custo muito alto para a nova realidade, o que ocasionou seu completo abandono por parte da família.

A ilha recebeu inúmeros visitantes ilustres que ficaram hospedados na ilha, tais como: Madame Chiang Kai-Sheik, Getúlio Vargas; os atores Errol Flynn e Tyrone Power e o duque de Windsor.




Em 1944 Foi adquirido pela prefeitura municipal por 6 milhões de cruzeiro pelo então prefeito da cidade Henrique Dodsworth, posteriormente repassado ao estado.

Para ajudar na preservação, a casa foi tombada pelo IPHAN em 1965.


Devido a crise financeira vivida pelo Estado, a ilha encontra-se a venda por R$45 milhões de reais, foi feito dois leilões mais sem nenhum lance foi dado.

É bem verdade que detalhes da propriedade em Brocoió nunca foram divulgados, mas o pouco que se sabe é suficiente para afirmar que se trata de uma propriedade em que o exotismo predomina. Em 1937, o jornalista Magalhães Correa traçou um perfil do local: “cenário fantástico, sonho materializado e castelo de fadas”. Ao fim do artigo, decretou: “Brocoió é, sem favor, a mais bela e encantadora das ilhas da Guanabara.” Retirado trecho da página Intriseca.

Outra coisa que atrapalha muito a venda é a poluição da Baía de Guanabara e o forte cheio que na margem do local  tornando o local pouco atrativo.A ilha nunca foi aberta ao público. Hoje, ela está praticamente abandonada por seu atual proprietário, o Estado do Rio de Janeiro. A mídia só a menciona de raro em raro, e quando o faz é para lembrar os custos de manutenção de um bem que não serve para nada.



 

BIBLIOGRAFIA

https://www.cedae.com.br/tratamento_esgoto/tipo/historia-do-tratamento-de-esgoto

www.multirio.rj.gov.br

www.intriseca.com.br

www.diariodorio.com.br

vejario.abril.com.br

http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/

    

domingo, 5 de julho de 2020

Uma ilha no Bairro de Irajá : Saravatá !

UMA ILHA EM IRAJÁ - A histórica e aprazível Ilha de Saravatá  

Aparece nos mapas mais primitivos como Ilha de GRAVATÁ ou GARAVATÁ, que passou a ser chamada de ILHA DE SARAVATÁ do século XVIII até o fim do XX, quando então foi extinta através de inúmeros ATERROS na região. Todos esses nomes derivam do tupi "karawá tã", que significa "planta que fura", em português "carauatá", nome de uma bromeliácea, cujo fruto se assemelha a um abacaxi sem coroa.


Localizava-se na localidade entre o atual Trevo das Missões (início da Rodovia Washington Luiz) no seu lado direito e a Linha Vermelha. Precisamente onde hoje ficam as empresas Cargo Park e Arm Rio Petrobrás. No passado, ficava em frente a antiga foz do Rio Meriti, onde ficava o Porto Velho de Irajá e a Pedra do Lagarto. Na época a região pertencia a Freguesia de N. S da Apresentação do Irajá, por isso Irajá. Hoje é divisa do bairro de Cordovil com o município de Duque de Caxias.

Importante citar que nos primórdios da colonização, era chamada de ILHA DAS OSTRAS, devido a quantidade desse molusco na região. Um dos proprietários dessa ilha no final século XVII, foi o capitão Luiz Machado Homem, também dono do Engenho de Nossa Senhora da Graça (atual Vigário Geral) por volta de 1670, como cita um artigo do memorialista Brasil Gerson em 1969:



"...Luiz Homem [...] autor de muitos e frequentes protestos as autoridades contra os intrusos que a infestavam em sua faixa marítima, na sua Ilha das Ostras, em busca de matéria prima para cal que fabricavam com prejuízo para ele, dono dela, na foz do Rio que dizia ser do Irajá, e que, entretanto, era do Meriti."

Na Revista do Instituto Histórico de 1881 também foi chamada de ILHA DO CAMARÃO:

"Saravatá - Ilha comprida entre a foz do rio Merity e a Ilha do Governador; é bastante arborisada e são afamadas as suas frutas. Alguns dão-lho o nome de ilha do Camarão, por ter sido por muitos annos propriedade do Francisco Pereira Camarão, fallecido ultimamente, e que tinha ahi uma grande caieira."

Note que o trecho cita que na ilha havia uma caieira, isto é, um forno onde se calcinava as conchas e ostras para fabrical cal, estando de acordo com as informações anteriores.

Em Antiqualhas e Memórias do Rio de Janeiro de 1903, o Dr. José Vieira Fazenda também cita a denominação antiga:

"Em todos esses papéis fala-se em lugares que perderam a antiga denominação, tais como ILHA DAS OSTRAS, na boca do rio Miriti, rio dos Cachorros, Miriti Doce e Miriti Salgado, Ponta Grossa, etc."


Esses papéis por ele citado, ser referem a um processo de 1782, sobre a invasão de terras vizinhas a ilha, que eram realengas. Ou seja, de uso público, pertencentes ao senado da câmara. O texto contesta que a defesa de Thereza Angélica de Jesus, como forma de enganar, utilizava-se de antigas denominações de localidades que já haviam se tornado desconhecidas até naquela época. 

Nesta mesma publicação, em Antiqualhas e Memórias do Rio de Janeiro, diz também sobre a ilha: "...Saravatá, célebre por suas frutas do conde".

Segue registros de escrituras de venda que mostram que após Luiz Machado Homem, a ilha logo passou pelas mãos de outros proprietários:

"Escritura de venda de uma ilha que fazem o Doutor Inácio Cardoso de Azevedo e sua mulher Branca Maria Coutinha a Francisco de Sá Souto Maior - Ilha de Sareguatá (Saravatá), sita defronte do porto de Irajá, com suas benfeitorias e um saveiro, herdada de seus pais e sogros Agostinho de Paredes e sua mulher Ana de Azevedo Coutinho, sem foro nem pensão alguma." (03/04/1709 - 1º Ofício de Notas - Disponível no Arquivo Nacional)

Ou: "Escritura de venda de uma ilha que faz José Barbosa de Sá a José Fagundes Amaral - ilha de Saravatá, com casas de vivenda, sita defronte da barra de Irajá, havida por folha de partilha dos bens de sua mãe." (28/03/1722 - 1º Ofício de Notas - disponível no Arquivo Nacional)



Nesta época eram raras as propriedades que permaneciam nas mãos da mesma família. Tanto as ilhas, como engenhos e etc, eram constantemente negociadas, quando não perdiam através de hipotecas ou como fiadores. Outra prova desta rotatividade, é que nas visitas pastorais de Monsenhor Pizarro, ao fim do século XVIII, a ilha é relatada como propriedade de Inácia Maria, sendo citada na relação dos oratórios da região:  "...de Inácia Maria, na Ilha chamada Sarauatá, vizinha, ao porto Velho, em distância de 1. 1/2 legoa, com pouca diferença para o mesmo rumo..."
 
Chegado o final do século XIX, a ilha que nesta altura era propriedade da Marinha, foi arrendada a Abreu Mayrink Veiga, onde a firma Mayrink Veiga & Cia estabelece um depósito de pólvora. Em 1915 ocorre uma grande explosão! A firma havia comprado do Ministério da Guerra um carregamento de 30 toneladas de pólvora, que explodiram, eliminando qualquer vestígio do depósito, destruindo as casas da ilha, arremeçando árvores, trilhos e vagões para longe e deixando uma cratera de 10 metros de profundidade. A família do vigia que habitava a ilha foi resgatada por um intendente de polícia que viu a explosão da Ponta do Galeão (Ilha do Governador) e veio de canoa. Como era noite, houve um clarão que segundo relatos, foi visto até em Niterói. O estampido foi ouvido da Gávea e os tremores sentidos de Madureira. Alguns lugares da Ilha do Governador, como Flexeira, Itacolomy, Tubiacanga e Galeão sentiram o impacto da explosão em algumas construções, com vidraças quebradas. 



Nas décadas seguintes, o neto de Abreu, Sr. Antenor Mayrink Veiga, já proprietário da ilha, constrói uma casa de veraneio na mesma. Tamanha a beleza da ilha, dos seus arredores e da construção, a casa chegou a receber ilustres da época como Fernando Delamare, Walter Moreira Salles, o embaixador português Walter Prytman, o prefeito de Nova York Robert Wagner, entre outros. Além disso, a propriedade era cedida constantemente para pic-nics e confraternizações de clubes da época, como o Clube Olympico (da Cinelândia), City Bank Club, Cube Ginástico Português, onde desembarcavam os sócios vindos de barco desde a Praça Mauá. Há também relatos de passeios a barco na região, realizados esporadicamente pela Companhia Cantareira, que passava por várias ilhas suburbanas hoje extintas, até chegar a localidade. Além de ter sediado um churrasco oferecido pelo Aero Club do Brasil (que ficava em Manguinhos) ao General Eurico Gaspar Dutra, até então Ministro da Guerra, posterior presidente do Brasil. 

Com essse relatos, imagine a beleza desta ilha suburbana! A região era rica em robalos, tainhas, paratys, merótes e vermelhos, além de siris e ostras, que maravilha!

Em seguida foi instalada alí a Rádio Mayrink Veiga, onde em 1948, foi recepcionado em passeio e almoço, os membros do Racing Club de Buenos Aires, participantes de uma partida amistosa contra o Fluminense nas Laranjeiras. Tamanho aconhego de tais instalações e beleza natural da região, a Ilha de Saravatá foi até escolhida como concentração da seleção brasileira para a Copa de 1950, fato dado como certo até os dias anteriores ao torneio. Em uma última visita do técnico Flávio Costa e dirigentes da CBD, verificou-se que apesar de ótimas instalações, a ilha sofria com a falta de abastecimento d'água, havendo então uma mudança de planos.

Veja que era uma ilha carregada de história!

Não obstante, também carregada de lendas, como a do tesouro escondido. Rezava que piratas fugidos da marinha britanica, esconderam um tesouro nos porões de um convento jesuíta que havia na localidade. Curioso que essa lenda também foi muito atribuída a uma ilha vizinha, a Ilha do Raimundo. Contudo, a partir de uma reportagem do Diário da Noite na década de 50, um funcionário da família Mayrink Veiga afirmava que foi desse tesouro que iniciou-se a fortuna da família. Balela! A lenda ainda se fortaleceu devido a uma contrução antiga aos fundos da ilha, localizada atrás de uma colina, onde segundo os reporteres havia um túnel com 500 metros de comprimento que a ligava ao continente. A reportagem também narrava outra lenda, de que a ilha era mal assombrada e amaldiçoada. O funcionário da família relatava aparições de fantasmas e também dizia que nesse túnel foram aprisionados muitos escravos chegados na região. Fatos curiosos, mas não passam de lendas e não coadunam com os registros apresentados até aqui, pois há registros de que a ilha já havia tido diversos donos desde o período colonial, até chegar as mãos da Marinha, sendo impossível um tesouro permanecer até a época que a mesma aforou ao Sr. Abreu Mayrinck Veiga. 



O formato da ilha era comprida e, como já dito, ficava em frente ao Porto Velho de Irajá, na foz do Rio Meriti. Mas fazia fundos com a Ponta do Franco, depois chamada de Ponta da Mãe Maria e Flexeira, na Ilha do Governador. Na ilha havia uma colina, na qual havia um marco de pedra trabalhada, com cabeça em formato de prisma quadrangular, protegido por uma cobertura piramidal revestida de madeira. Se tratava do marco geodésico do Serviço Geográfico Militar.

Pra finalizar, segue um impactante relato do naturalista Magalhães Correa em 1936, que nos trás a idéia de quão pitoresca era a paisagem local:

"...a esquerda colossaes árvores, duas marajubeiras [...] ao norte do campo, seis tamarineiras [...] atravessamos uma plantação de fruteiras, as quais deram outrora, a fama a ilha pela selecção das deliciosas frutas [...] a mata cerrada; parecia que atravessavamos uma floresta [...] nesse trajecto foram notadas as seguintes árvores: pao dálho ou guararemas, mangueiras, jaboticabeiras, goiabeiras, araçazeiras, pitangueiras, jaqueiras, cajueiros; perto da habitação, mamoeiros, cafeeiros, bananeiras. Em plena matta, imauba, cambuhy, camboatá, massambará, bico de pato ou sete cascas, jacaré, algodão da praia; entre as palmeiras, o côco de cotia, esguio, de belo porte; o da bahia, baba de boi e de catharro; nas estipes dos coqueiros sumarés, orchidaceas. As árvores como em gala, ostentavam festões de baba de velho [...] por todos os lados encontramos a marajubeira [...] Isoladas, piteiras e sobre as velhas arvores veluzziaceas [...] gambá, que há muito, assim como lagartos, principalmente os tiejus, entre as aves paludicas a piaçoca, saracura, garças, socó e marrequinhas; da matta, as pombas, jurity, parary, rolinha e jacus [...] e inumeros passaros canoros e gritadores [...] espirais de borboletas, vermelhas, amarellas, rajadas de preto e amarello, eurema, blathea, pieris phyrro e danais, erippus, um verdadeiro encanto. Essa ilha é digna do paraíso, pela poesia e encantos [...] concurso da própria natureza e torna-se-á privilegiada pela sua posição geographica e belleza tropical, vivenda sonhada nos contos das fadas [...] compõem uma bella tela, só faltando o artísta para reproduzi-la. Tudo nela é bello, agradavel e romantico." 

Essa era a aprazível Ilha de Saravatá, numa época onde a Baía de Guanabara era o verdadeiro paraíso, que tanto apaixonou viajantes estrangeiros que por aqui passaram! 

A ilha foi extinta pelos inúmeros aterros em nossa Baía de Guanabara, que agoniza como um depósito de lixo e esgoto.

Esse é mais um fragmento da história perdida do subúrbio carioca!

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*Texto e pesquisa de minha autoria, Hugo Delphim.
*As fontes de pesquisa foram citadas no próprio texto. *Algumas imagens retiradas de periódicos antigos.